Hoje fui a Mogi das Cruzes, convidado por um amigo da CPTM para a viagem de inauguração do trem turístico que partirá da Luz para essa cidade. A cada 15 dias, este trem fará o percurso sempre num domingo. A composição é formada por uma locomotiva diesel-elétrica RSD-3 da ALCO e dois carros que pertenceram à Fepasa (e hoje são de propriedade da ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), todos reformados e pintados em cores novas com o logotipo da CPTM.
Foi a própria CPTM quem tomou a iniciativa de promover este trem, ela que já opera outro trem turístico, que parte também a cada 15 dias da estação da Luz para Jundiaí pela linha da antiga E. F. Santos a Jundiaí. Este, que já existe há cerca de 2 meses, é um sucesso de público, tendo já esgotadas as passagens até o próximo mês de agosto.
A viagem a Mogi, no entanto, é bastante diferente da que é feita para Jundiaí. Enquanto nesta última há alguns trechos de paisagem rural, para Mogi a paisagem é urbana em praticamente todo o percurso. O trem segue a cerca de 45 km/hora, com exceção de dois trechos curtos onde há obras, obrigando a composição a rodar em velocidade bem mais baixa.
O trem passa pelas estações em que durante os sete dias da semana os TUES (trens unidades elétricos) da CPTM param com seus metropolitanos. Ele segue pela linha principal da antiga Central do Brasil até a estação (já de há muito desativada) de Sebastião Gualberto e ali entra para a variante de Poá, passando por São Miguel, Itaim e Itaquaquecetuba até reencontrar a linha principal em Calmon Viana. Dali segue até a estação central de Mogi das Cruzes.
No caminho, podemos ver as estações novas e as modernizadas recentemente pela ferrovia. O aspecto da linha da variante de Poá é bem melhor do que costumava ser ata dois anos atrás. No caminho ainda podem se ver algumas antigas casas de turma da Central do Brasil, simples e bonitas, principalmente as que existem após a estação de Comendador Ermelino. O percurso é feito em 1 hora e 45 minutos.
Como era uma viagem inaugural, houve bandinha na recepção e também discurso do Prefeito... essas coisas. Em Mogi, a partir da primeira viagem aberta ao público, que deve ocorrer no dia 14 de junho, deverá haver uma série de opções para os passageiros do trem passarem parte do dia na cidade.
Não há como se deixar de cumprimentar os funcionários da CPTM responsáveis por estas iniciativas que, embora apenas uma vez por semana, fazem voltar a dar como opção as viagens de trens de longo percurso em São Paulo.
domingo, 31 de maio de 2009
sábado, 30 de maio de 2009
O IPHAN CABOCLO
Na minha procura de dados e fotografias para as estações ferroviárias do Brasil, já percorri diversas estações pelo Brasil afora. Consegui fotografar pessoalmente em oito Estados desde pelo menos 1996, desde que comecei a inana.
Estive, afora São Paulo, onde moro, no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. Nos outros Estados não tive o prazer de ir, embora conheça alguns de antes desse ano.
Ali encontrei estações de todos os tipos e usos. Muitas foram demolidas; muitas estão ocupadas de forma formal ou informal, de forma oficial ou não. Boa parte delas são ocupadas por gente humilde, que eventualmente me convida para “entrar e tomar um cafezinho”. Gente muito boa.
Em Reversão, SP, o dono da casa não quis posar para a fotografia, pois esta poderia “roubar sua alma”, típica crença indígena. No final, resolveu sair na fotografia (ver acima). Em Mapele, BA, o morador simples de uma estação em ruínas ocupava a parte em que o teto não havia desabado e me convidava para conhecer a estação, “que ele estava ocupando para salvá-la da demolição total”. Em Visconde de Soutelo, SP, o morador orgulhoso de estar “preservando a estação para a Fepasa” me ofereceu café. Em Piranguinho, MG, me ofereceram pé-de-moleque. Em Alferes Rodrigues, SP, me convidaram para entrar e “a tirar fotografias da estação que eles tão bem preservavam”.
Em Barão de Ibitinga, SP, os moradores afirmavam que “a estação estava da mesma forma de quando foi desativada” – o que parecia ser verdade. Em Poço Preto, SC, a estação estava impecável – e era de madeira, uma das poucas deste material que sobrou. Seu ocupante ali morava e tinha também um bar. Em Paula Lima, SP, as crianças que ali viviam fizeram questão de posar para fotografias.
Muitos desses casos ocorreram já há muitos anos, o que significa que a situação pode ter mudado: as pessoas terem saído, ou seus ocupantes serem outros. O fato é que estas pessoas faziam questão de preservar o local da melhor forma possível dentro de sua condição financeira. Algumas estavam muito bem, outras nem tanto, mas percebia-se que o estrago não havia sido feito por eles: no caso de Mapele, o inquilino havia se mudado depois do estrago feito.
Em Venerando e Santa Veridiana, região de Mococa e Santa Cruz das Palmeiras, os moradores são donos legítimos e têm uma situação financeira melhor que os dos outros casos: todos eles moram no local e preservam-no de forma fantástica, interessando-se em conhecer o máximo possível de sua história ferroviária. Na de Venerando, exatamente hoje, o seu morador está dando uma festa de reinauguração, depois de mais uma restauração: fui convidado, mas infelizmente não pude atender ao convite.
Há muitos outros exemplos como estes.
São essas pessoas que realmente, às suas expensas, preservam parte do patrimônio ferroviário do Brasil: se não fossem as “invasões” ou, em alguns casos, a compra do imóvel para preservação, esses prédios provavelmente teriam ido para o espaço. São eles que formam a equipe do IPHAN caboclo, ou, no caso de São Paulo, também o “Condephaat caboclo”: tombam o imóvel e o mantém às suas custas. Pelo menos enquanto estiverem vivos.
O Brasil agradece a todos eles, de coração.
Estive, afora São Paulo, onde moro, no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. Nos outros Estados não tive o prazer de ir, embora conheça alguns de antes desse ano.
Ali encontrei estações de todos os tipos e usos. Muitas foram demolidas; muitas estão ocupadas de forma formal ou informal, de forma oficial ou não. Boa parte delas são ocupadas por gente humilde, que eventualmente me convida para “entrar e tomar um cafezinho”. Gente muito boa.
Em Reversão, SP, o dono da casa não quis posar para a fotografia, pois esta poderia “roubar sua alma”, típica crença indígena. No final, resolveu sair na fotografia (ver acima). Em Mapele, BA, o morador simples de uma estação em ruínas ocupava a parte em que o teto não havia desabado e me convidava para conhecer a estação, “que ele estava ocupando para salvá-la da demolição total”. Em Visconde de Soutelo, SP, o morador orgulhoso de estar “preservando a estação para a Fepasa” me ofereceu café. Em Piranguinho, MG, me ofereceram pé-de-moleque. Em Alferes Rodrigues, SP, me convidaram para entrar e “a tirar fotografias da estação que eles tão bem preservavam”.
Em Barão de Ibitinga, SP, os moradores afirmavam que “a estação estava da mesma forma de quando foi desativada” – o que parecia ser verdade. Em Poço Preto, SC, a estação estava impecável – e era de madeira, uma das poucas deste material que sobrou. Seu ocupante ali morava e tinha também um bar. Em Paula Lima, SP, as crianças que ali viviam fizeram questão de posar para fotografias.
Muitos desses casos ocorreram já há muitos anos, o que significa que a situação pode ter mudado: as pessoas terem saído, ou seus ocupantes serem outros. O fato é que estas pessoas faziam questão de preservar o local da melhor forma possível dentro de sua condição financeira. Algumas estavam muito bem, outras nem tanto, mas percebia-se que o estrago não havia sido feito por eles: no caso de Mapele, o inquilino havia se mudado depois do estrago feito.
Em Venerando e Santa Veridiana, região de Mococa e Santa Cruz das Palmeiras, os moradores são donos legítimos e têm uma situação financeira melhor que os dos outros casos: todos eles moram no local e preservam-no de forma fantástica, interessando-se em conhecer o máximo possível de sua história ferroviária. Na de Venerando, exatamente hoje, o seu morador está dando uma festa de reinauguração, depois de mais uma restauração: fui convidado, mas infelizmente não pude atender ao convite.
Há muitos outros exemplos como estes.
São essas pessoas que realmente, às suas expensas, preservam parte do patrimônio ferroviário do Brasil: se não fossem as “invasões” ou, em alguns casos, a compra do imóvel para preservação, esses prédios provavelmente teriam ido para o espaço. São eles que formam a equipe do IPHAN caboclo, ou, no caso de São Paulo, também o “Condephaat caboclo”: tombam o imóvel e o mantém às suas custas. Pelo menos enquanto estiverem vivos.
O Brasil agradece a todos eles, de coração.
sexta-feira, 29 de maio de 2009
OS MENINOS DE PAULA LIMA E O TREM DO GOVERNADOR
No finalzinho de 1999, cheguei em minhas andanças até uma velha estação ferroviária na entrada da cidade de São José do Rio Pardo. Vim de Casa Branca, dei a volta no trevo (era novinho, ainda não estava acabado) na entrada da cidade e voltei pela pista. Aí, entrei à direita, numa estradinha de terra muito ruinzinha, e desci em relação ao nível da rodovia uns dez metros. A rua continuava paralela à estrada e logo à minha direita apareceu uma velha estação da Mogiana, ramal de Mococa: a estação de Paula Lima.
Inaugurada em 1914 e desativada em 1977 junto com o trem de passageiros do ramal, essa estação destoa bastante das construções da Mogiana daquela época: é bem grande, e as coberturas da porta principal e da plataforma são de madeira trabalhada, voltadas para o alto, dando-lhe um ar de imponência raras vezes vista em estações daquela empresa.
Desci do carro, e fui cercado por várias crianças que moravam, ali, na estação, com seus pais. Eles viram que eu ia fotografar o prédio, e perguntaram se eu era da televisão. Eu disse que não, mas eles continuaram interessados em posar nas fotos. Eu tirei algumas e eles saíram numa delas, descalços, sorrindo com um dos meninos carregando uma grande bola de plástico. Para eles, foi uma festa.
Eu me lembrei, então, de quando o governador Franco Montoro esteve lá para reinaugurar o trecho abandonado de linha entre Casa Branca e São José do Rio Pardo, em 1985. Foi uma festa e o trem de passageiros, dez anos depois de ter sido suprimido, voltava a sair de Casa Branca, passando por Itobi, Vila Costina, Paula Lima e parando em São José do Rio Pardo. Não seguiria adiante. Ali, mais festas e a volta para Casa Branca, além da promessa de que essa seria a primeira de muitas viagens. Afinal, os trens, a linha e algumas das velhas estações estavam ali. Era um ramal aberto noventa e oito anos antes, não mereceria ele uma atenção especial?
As estações intermediárias não foram reabertas. Paula Lima já estava fechada, mas ainda se mantinha. Serviria como parada. Teve melhor sorte que Engenheiro Röhe, que já havia sido posta abaixo anos atrás, e que ficava perto da estação de Itobi. Mas o trem não passou nunca mais. A promessa ficou somente naquela primeira viagem, mesmo. Três anos depois, a linha começou a ser arrancada e foi colocada em leilão.
Parte dos trilhos, segundo contam, foi para Pedregulho, no extremo nordeste do Estado, para a construção de uma estrada de ferro dali até Rifaina, restabelecendo um pequeno trecho do que outrora foi a Linha do Rio Grande, da Mogiana, que ligava Ribeirão Preto a Uberaba. Essa estrada, com fins turísticos, não durou muito, também. Foi desativada já havia alguns anos. Com o tempo, gente simples passou a morar em Paula Lima. E olhem, podem dizer que vivem numa mansão. A estação impressiona pela sua forma e tamanho. Mas de trilhos, nem sombra.
Eu cheguei em casa e mandei revelar as fotografias que tirei. Aquela dos meninos, descalços, sorridentes, com a grande bola na mão, foi mandada ampliar, e colocada num envelope escrito: “para as crianças da antiga estação ferroviária de Paula Lima – Paula Lima, São José do Rio Pardo, SP”, com o cep do município e tudo.
Isto feito, postei-a no correio. Porém, um mês depois, eu a recebi de volta com a nota do correio dizendo algo do tipo “localidade não atingida pela entrega de correspondência”. Será que o correio não pode atender um bairro junto à cidade? Ou ele não o conhece? Que ironia, antigamente praticamente todas as estações ferroviárias eram também agências dos correios! Ora, há uma placa verde e branca no trevo, indicando Paula Lima. Seja qual for o motivo, os meninos de Paula Lima ficaram sem a fotografia, como ficaram sem os trilhos, como ficaram sem o trem. Triste Brasil.
Dez anos depois, eu estive ali outra vez. Não achei os meninos, claro. Afinal, se eles estivessem ali, eu não os reconheceria. Nada mudou, pelo menos para melhor. Paula Lima continua mais esquecida do que nunca, a não ser por seus moradores.
Inaugurada em 1914 e desativada em 1977 junto com o trem de passageiros do ramal, essa estação destoa bastante das construções da Mogiana daquela época: é bem grande, e as coberturas da porta principal e da plataforma são de madeira trabalhada, voltadas para o alto, dando-lhe um ar de imponência raras vezes vista em estações daquela empresa.
Desci do carro, e fui cercado por várias crianças que moravam, ali, na estação, com seus pais. Eles viram que eu ia fotografar o prédio, e perguntaram se eu era da televisão. Eu disse que não, mas eles continuaram interessados em posar nas fotos. Eu tirei algumas e eles saíram numa delas, descalços, sorrindo com um dos meninos carregando uma grande bola de plástico. Para eles, foi uma festa.
Eu me lembrei, então, de quando o governador Franco Montoro esteve lá para reinaugurar o trecho abandonado de linha entre Casa Branca e São José do Rio Pardo, em 1985. Foi uma festa e o trem de passageiros, dez anos depois de ter sido suprimido, voltava a sair de Casa Branca, passando por Itobi, Vila Costina, Paula Lima e parando em São José do Rio Pardo. Não seguiria adiante. Ali, mais festas e a volta para Casa Branca, além da promessa de que essa seria a primeira de muitas viagens. Afinal, os trens, a linha e algumas das velhas estações estavam ali. Era um ramal aberto noventa e oito anos antes, não mereceria ele uma atenção especial?
As estações intermediárias não foram reabertas. Paula Lima já estava fechada, mas ainda se mantinha. Serviria como parada. Teve melhor sorte que Engenheiro Röhe, que já havia sido posta abaixo anos atrás, e que ficava perto da estação de Itobi. Mas o trem não passou nunca mais. A promessa ficou somente naquela primeira viagem, mesmo. Três anos depois, a linha começou a ser arrancada e foi colocada em leilão.
Parte dos trilhos, segundo contam, foi para Pedregulho, no extremo nordeste do Estado, para a construção de uma estrada de ferro dali até Rifaina, restabelecendo um pequeno trecho do que outrora foi a Linha do Rio Grande, da Mogiana, que ligava Ribeirão Preto a Uberaba. Essa estrada, com fins turísticos, não durou muito, também. Foi desativada já havia alguns anos. Com o tempo, gente simples passou a morar em Paula Lima. E olhem, podem dizer que vivem numa mansão. A estação impressiona pela sua forma e tamanho. Mas de trilhos, nem sombra.
Eu cheguei em casa e mandei revelar as fotografias que tirei. Aquela dos meninos, descalços, sorridentes, com a grande bola na mão, foi mandada ampliar, e colocada num envelope escrito: “para as crianças da antiga estação ferroviária de Paula Lima – Paula Lima, São José do Rio Pardo, SP”, com o cep do município e tudo.
Isto feito, postei-a no correio. Porém, um mês depois, eu a recebi de volta com a nota do correio dizendo algo do tipo “localidade não atingida pela entrega de correspondência”. Será que o correio não pode atender um bairro junto à cidade? Ou ele não o conhece? Que ironia, antigamente praticamente todas as estações ferroviárias eram também agências dos correios! Ora, há uma placa verde e branca no trevo, indicando Paula Lima. Seja qual for o motivo, os meninos de Paula Lima ficaram sem a fotografia, como ficaram sem os trilhos, como ficaram sem o trem. Triste Brasil.
Dez anos depois, eu estive ali outra vez. Não achei os meninos, claro. Afinal, se eles estivessem ali, eu não os reconheceria. Nada mudou, pelo menos para melhor. Paula Lima continua mais esquecida do que nunca, a não ser por seus moradores.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
VARIAÇOES SOBRE UM TEMA À MEIA NOITE
Na Internet, em uma lista de discussões sobre trem, por volta da meia-noite de uma quarta-feira, Antonio, Wanderley, Thomas e Renato faziam a comparação entre as estradas antigas, os ônibus e os trens da Santos-Jundiaí, anteriormente SPR:
“A SPR comprou caminhões e abriu o Rodoviário Santos-Jundiaí. Sem contar o ônibus que o povo chamava de "King-Kong". Embora tenha pisado nos (prejudicado) os trens do funicular com ele, era ruim na serra. Mais tarde, a SPR colocou os trens Cometa, Estrela e Planeta na sua linha.
Foi o melhor ônibus que o mundo conheceu...
Um deles foi restaurado.
Existe mesmo um King-Kong sobrevivente? Andei por uns tempos em listas de ônibus e consultei pessoal especializado no assunto, em busca de informações. Foram unânimes em confirmar que todos foram sucateados.
Sobrou só um desses funicobus, achado por pura sorte em um dos armazéns da Presidente Wilson, junto com um monte de outras tranqueiras. O dono salvou, restaurou e não deu satisfação a ninguém. Não havia como saber a cor correta, porque na pintura desgastada tinham camadas de preto e também de verde oliva, aí (...) optou-se por verde oliva e as letras em dourado claro. Tudo deu muito trabalho e muita despesa, especialmente o interior: não tinha nada a ver com ônibus comum, as poltronas eram de couro trabalhado, tapeçaria tipo veludo, detalhes dourados e estava mais para um carro de primeira da ferrovia do que para um ônibus comum.
Se bem que tem uma coisa dessa CGT (Companhia Geral de Transportes, da própria SPR) que eu nunca entendi... a SPR fazia concorrência para os próprios trens ? Esses ônibus são da década de 1930, quando o trem ainda era o que havia para se viajar, os ônibus, automóveis e caminhões não tinham nem como pensar em ameaçar, eram problemáticos e as estradas, além de poucas eram péssimas. Acho que só nos anos 1960, com o advento do rodoviarismo do Juscelino, é que eles começaram a ter condições de encarar os trens, tanto tinham que ganharam.
Realmente eu nunca entendi o motivo desses phunicobuses.
Se bem que, com a descida da serra com funicular, não sei se os trens da SPR conseguiam concorrer com os ônibus, mesmo com estes tendo de encarar a Estrada Velha. É curioso que, já na década de 1950, as pessoas ainda preferiam o trem para viajar entre SP e o interior. Contudo, tomavam o ônibus para se deslocar entre SP e Santos. Foi, por exemplo, o caso dos meus pais quando em lua de mel, no distante 1955. Ou mesmo em nossas primeiras viagens para a praia, na primeira metade da década de 1960.
Uma possibilidade é que os ônibus saíssem de um lugar mais acessível do que a Estação da Luz, no caso da Ipiranga e depois da Clóvis Bevilacqua, e também deixassem as pessoas bem mais perto das pensões de Santos, lá na praia, e não lá longe na Estação do Valongo, como faziam os trens. Já para Itanhaém, Mongaguá e Peruíbe, o pessoal sempre preferiu o trem, porque eram cidades bem menores e as estações ficavam perto dos seus destinos.
Correto. Contudo, no caso do litoral sul, não seria também pelo fato da estrada a partir de São Vicente não ser grande coisa? Aliás, havia estrada São Vicente-Peruíbe até a década de 1950?
Não, não havia. Nossas idas para Itanhaém eram sempre de trem, porque quando meu pai inventava de ir de carro tinha que ser pela praia. Passava um pouquinho da Ponte Pênsil e logo virava à esquerda e tome praia até lá, se parasse, atolava na areia molhada, ou encalhava no areião seco. Quem ia para Peruíbe só entrava na cidade em Itanhaém, ia pela avenida até onde hoje se chama Cibratel e aí tome praia de novo. Outra coisa que judiava muito eram aqueles canaizinhos de água que iam da terra para o mar cortando a praia: alguns eram fáceis de passar, outros, muito fundos, eram uma encrenca danada.
Pelo que estudei a respeito, o problema foi que com o surgimento das empresas de ônibus fazendo o percurso para o litoral, a viagem pela ferrovia se tornou mais demorada. O problema da ferrovia era a necessidade de fracionar as composições por causa do funicular. O tempo que antes não era notado pela falta de opção, passou a ser comparado com o tempo gasto pelos ônibus e isso se tornou um problema, com evasão de público para a novidade...
Como paliativo, a SPR adquiriu jardineiras e ofereceu o serviço até a chegada dos trens Cometa, onde esse TUD fazia o percurso de serra inteiro, sem fracionamento e consequentemente mais rápido. Dessa forma, o tempo gasto pela ferrovia se tornou menor e a paz reinou na SPR novamente. Estrela e Planeta vieram depois para aumentar a capacidade e gerar mais dividendos. O problema era dividido em dois pontos: Tempo e Custo. As estradas podiam ser ruins, mas a viagem de ônibus passou a ser mais rápida e provavelmente mais barata, pois, apesar do trem ser obviamente mais econômico, imagino que a tarifa cobrada não deveria ser barata.
Mas, de qualquer maneira, os trens deixavam as pessoas lá no Valongo, bem longe das pensões da praia... naquele tempo, a maioria das pessoas que iam a Santos ficavam em pensões no Gonzaga.
Não é a toa que, até hoje, os ônibus de SP para Santos ou vão até a Ponta da Praia ou até São Vicente, cobrindo toda a extensão de praias.
Na última vez que estive em Santos eu fui de ônibus, fui visitar um amigo que mora lá perto do pontão dos práticos. O tempo que o ônibus levou para cruzar a cidade, para ir da rodoviária até a Ponta da Praia, foi quase o mesmo que levou do Terminal do Jabaquara até Santos, a cidade está complicada.
Realmente... Essa versatilidade do ônibus realmente era forte. Essa foto (acima) mostra a estrada entre Santos e Cubatão. Era boa na época.
De fato, o trânsito urbano piorou muito em toda a Baixada Santista. Você teve sorte, porque de vez em quando desaba uma sujeira danada do Planalto que trava tudo aqui, desde a Henry Borden até o Valongo - e, se bobear, a serra da Anchieta também. Geralmente os ônibus que servem aos empregados da Cosipa chegam à entrada de SP ou São Bernardo bem pouco antes de chegarem no centro de Santos e São Vicente. O problema é depois.”
Aí o sono chegou e as mensagens pararam de ser trocadas.
“A SPR comprou caminhões e abriu o Rodoviário Santos-Jundiaí. Sem contar o ônibus que o povo chamava de "King-Kong". Embora tenha pisado nos (prejudicado) os trens do funicular com ele, era ruim na serra. Mais tarde, a SPR colocou os trens Cometa, Estrela e Planeta na sua linha.
Foi o melhor ônibus que o mundo conheceu...
Um deles foi restaurado.
Existe mesmo um King-Kong sobrevivente? Andei por uns tempos em listas de ônibus e consultei pessoal especializado no assunto, em busca de informações. Foram unânimes em confirmar que todos foram sucateados.
Sobrou só um desses funicobus, achado por pura sorte em um dos armazéns da Presidente Wilson, junto com um monte de outras tranqueiras. O dono salvou, restaurou e não deu satisfação a ninguém. Não havia como saber a cor correta, porque na pintura desgastada tinham camadas de preto e também de verde oliva, aí (...) optou-se por verde oliva e as letras em dourado claro. Tudo deu muito trabalho e muita despesa, especialmente o interior: não tinha nada a ver com ônibus comum, as poltronas eram de couro trabalhado, tapeçaria tipo veludo, detalhes dourados e estava mais para um carro de primeira da ferrovia do que para um ônibus comum.
Se bem que tem uma coisa dessa CGT (Companhia Geral de Transportes, da própria SPR) que eu nunca entendi... a SPR fazia concorrência para os próprios trens ? Esses ônibus são da década de 1930, quando o trem ainda era o que havia para se viajar, os ônibus, automóveis e caminhões não tinham nem como pensar em ameaçar, eram problemáticos e as estradas, além de poucas eram péssimas. Acho que só nos anos 1960, com o advento do rodoviarismo do Juscelino, é que eles começaram a ter condições de encarar os trens, tanto tinham que ganharam.
Realmente eu nunca entendi o motivo desses phunicobuses.
Se bem que, com a descida da serra com funicular, não sei se os trens da SPR conseguiam concorrer com os ônibus, mesmo com estes tendo de encarar a Estrada Velha. É curioso que, já na década de 1950, as pessoas ainda preferiam o trem para viajar entre SP e o interior. Contudo, tomavam o ônibus para se deslocar entre SP e Santos. Foi, por exemplo, o caso dos meus pais quando em lua de mel, no distante 1955. Ou mesmo em nossas primeiras viagens para a praia, na primeira metade da década de 1960.
Uma possibilidade é que os ônibus saíssem de um lugar mais acessível do que a Estação da Luz, no caso da Ipiranga e depois da Clóvis Bevilacqua, e também deixassem as pessoas bem mais perto das pensões de Santos, lá na praia, e não lá longe na Estação do Valongo, como faziam os trens. Já para Itanhaém, Mongaguá e Peruíbe, o pessoal sempre preferiu o trem, porque eram cidades bem menores e as estações ficavam perto dos seus destinos.
Correto. Contudo, no caso do litoral sul, não seria também pelo fato da estrada a partir de São Vicente não ser grande coisa? Aliás, havia estrada São Vicente-Peruíbe até a década de 1950?
Não, não havia. Nossas idas para Itanhaém eram sempre de trem, porque quando meu pai inventava de ir de carro tinha que ser pela praia. Passava um pouquinho da Ponte Pênsil e logo virava à esquerda e tome praia até lá, se parasse, atolava na areia molhada, ou encalhava no areião seco. Quem ia para Peruíbe só entrava na cidade em Itanhaém, ia pela avenida até onde hoje se chama Cibratel e aí tome praia de novo. Outra coisa que judiava muito eram aqueles canaizinhos de água que iam da terra para o mar cortando a praia: alguns eram fáceis de passar, outros, muito fundos, eram uma encrenca danada.
Pelo que estudei a respeito, o problema foi que com o surgimento das empresas de ônibus fazendo o percurso para o litoral, a viagem pela ferrovia se tornou mais demorada. O problema da ferrovia era a necessidade de fracionar as composições por causa do funicular. O tempo que antes não era notado pela falta de opção, passou a ser comparado com o tempo gasto pelos ônibus e isso se tornou um problema, com evasão de público para a novidade...
Como paliativo, a SPR adquiriu jardineiras e ofereceu o serviço até a chegada dos trens Cometa, onde esse TUD fazia o percurso de serra inteiro, sem fracionamento e consequentemente mais rápido. Dessa forma, o tempo gasto pela ferrovia se tornou menor e a paz reinou na SPR novamente. Estrela e Planeta vieram depois para aumentar a capacidade e gerar mais dividendos. O problema era dividido em dois pontos: Tempo e Custo. As estradas podiam ser ruins, mas a viagem de ônibus passou a ser mais rápida e provavelmente mais barata, pois, apesar do trem ser obviamente mais econômico, imagino que a tarifa cobrada não deveria ser barata.
Mas, de qualquer maneira, os trens deixavam as pessoas lá no Valongo, bem longe das pensões da praia... naquele tempo, a maioria das pessoas que iam a Santos ficavam em pensões no Gonzaga.
Não é a toa que, até hoje, os ônibus de SP para Santos ou vão até a Ponta da Praia ou até São Vicente, cobrindo toda a extensão de praias.
Na última vez que estive em Santos eu fui de ônibus, fui visitar um amigo que mora lá perto do pontão dos práticos. O tempo que o ônibus levou para cruzar a cidade, para ir da rodoviária até a Ponta da Praia, foi quase o mesmo que levou do Terminal do Jabaquara até Santos, a cidade está complicada.
Realmente... Essa versatilidade do ônibus realmente era forte. Essa foto (acima) mostra a estrada entre Santos e Cubatão. Era boa na época.
De fato, o trânsito urbano piorou muito em toda a Baixada Santista. Você teve sorte, porque de vez em quando desaba uma sujeira danada do Planalto que trava tudo aqui, desde a Henry Borden até o Valongo - e, se bobear, a serra da Anchieta também. Geralmente os ônibus que servem aos empregados da Cosipa chegam à entrada de SP ou São Bernardo bem pouco antes de chegarem no centro de Santos e São Vicente. O problema é depois.”
Aí o sono chegou e as mensagens pararam de ser trocadas.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
MILAGRE EM PIRAJU
O ex-Presidente Theodore Roosevelt (primeiro à esquerda sentado no automóvel) desembarca na estação ferroviária de Piraju em 1913. Dali desceria para Buenos Aires e subiria pelo rio Paraná e Paraguai para encontrar o General Rondon no Mato Grosso. Autor desconhecido
A restauração de bens imóveis no Estado de São Paulo e no Brasil vem sendo feita de forma totalmente errática nos últimos 30 anos. Como ela depende na quase totalidade das vezes de dinheiro público por meio de leis de incentivo que são geralmente aproveitadas por empresas ou mesmo pelos Governos (Prefeituras, Governos Estaduais e Governo Federal), a captação de dinheiro é em boa parte das vezes demorada por falta de interesse das instituições e nos imóveis.
Mesmo assim, é claro que a preocupação com a manutenção de velhos imóveis aumentou durante os anos 1970, quando finalmente a sociedade começou a olhar para os velhos casarões. Nessa mesma época, começava o abandono dos pátios ferroviários, com a decadência cada vez maior das ferrovias no País.
Algumas delas foram derrubadas pela própria ferrovia. Algumas foram conservadas por diversos motivos – em alguns casos, até pela invasão de gente necessitada, que mantinham o imóvel da forma que podiam. Infelizmente houve nesse processo algumas descaracterizações que depois tornaram inviável a recuperação dos imóveis. Houve também reformas indevidas por parte de prefeituras que adquiriam ou desapropriavam prédios de estações.
A estação de Piraju passou por um largo processo de abandono desde a sua desativação em 1966. Em 1971, todo o curto ramal que ligava a cidade a Manduri passou do acervo da Sorocabana para o Governo do Estado. Mesmo assim, a simpática estação, um prédio de dois andares, foi esquecida até que nos anos 1990 começou a se divulgar o que poucos sabiam: era uma estação construída pelo famoso arquiteto Ramos de Azevedo, em 1908.
A partir daí, tentou-se diversas vezes levantar fundos para a restauração da estação, que, além de ter servido à ferrovia de 1906 a 1966, ainda serviu, de 1915 a 1937, de ponto de saída de um bonde elétrico que a ligava ao distrito (hoje município) de Sarutaiá, além de levar quem desembarcava na estação ao centro da própria Piraju.
Foram muitos anos de propaganda, mas a estação, talvez do interior a mais divulgada pela mídia por seu abandono e sua beleza nesse período, não conseguia que tivesse a restauração iniciada, enquanto sua degradação aumentava. Até um livro foi escrito sobre a sua história, publicado em 2007: Arqueologia da Arquitetura: Estação Ferroviária de Piraju — Ensaio de Arqueologia da Arquitetura de Ramos de Azevedo, por Daisy de Morais, Editora Habilis, 2007.
Finalmente, eis que há uma semana atrás o proprietário de uma rádio da cidade de nome Reinaldo Bernardes Rodrigues informou-me que a restauração começara, sob os auspícios do Governo do Estado de São Paulo. Mandou-me fotografias, que mostram que efetivamente, “desta vez vamos”. Espero que agora a simpática cidade de Piraju tenha seu monumento devidamente recuperado, já que a ferrovia, bem, essa nunca mais passará por ali como nos tempos em que levava e trazia a riqueza do Estado de São Paulo.
Talvez a palavra “milagre” do título seja mesmo um exagero, mas que as esperanças estavam se desvanescendo em meio à deterioração cada vez maior do prédio, isso estavam.
terça-feira, 26 de maio de 2009
O EFEITO GOEBBELS (FINAL)
No artigo de ontem, falei sobre a demolição da estação de Ribeirão Preto no final de 1967. Hoje falo do seu “day after”.
Em janeiro de 1968, mudaram-se as instalações que ainda restavam no pátio. A oficina do departamento de tração e a reparação foram para outras estações; a de locomotivas a vapor (já pouco usadas então) passou para as estações de Uberaba e de Franca; a de carros e vagões, para Campinas, e as das diesel-elétricas para Ribeirão Preto-nova. No mesmo mês, foi demolida a plataforma de pedras, para unir as ruas General Osório, que era a que antes começava exatamente à frente da porta de entrada da estação velha, e a Martinico Prado, sua continuação do outro lado. Antes, apenas a rua Duque de Caxias, no ponto em que mudava o seu nome para Luiz da Cunha, tinha uma passagem de nível que permitia aos automóveis cruzar a linha, exatamente ao lado do prédio da estação. Vários desvios foram removidos e somente ficando os trilhos que agora eram parte do ramal de Guatapará. Com isso, desapareceram todo e qualquer traço do velho prédio de embarque de passageiros. A agencia da estação de Ribeirão Preto-ramal, demolida, foi transferida para um pequeno cubículo, a “JP”, perto de onde estava a rotunda. Esta estaçãozinha tinha até chefe: Antonio de Freitas, vindo da estação de Igaçaba. Um ano e meio depois, em 10 de outubro de 1969, a área que um dia abrigou a estação e todo o pátio de manobras e oficinas foi, como um todo, oficialmente extinta. É Dirceu Baldo quem conta, muitos anos depois: "No início de 1968, eu e meus pais fomos de trem para São Paulo, e morávamos perto da estação; ela tinha acabado de ser demolida, e embarcamos na JP. Uma composição com uma diesel e dois ou três carros levou-nos pela alça de ligação até Ribeirão-nova: aí pegamos uma litorina para a Capital." Ainda assim, os trilhos do ramal ali ficaram, com tráfego, restos do antigo tronco da Mogiana, até outubro de 1976, com a JP, e os trens passando. O ramal fechou e aí foram retirados às pressas para a inauguração da estação rodoviária, que se deu em novembro de 1976. Para os lados da rua Guatapará, onde estava a rotunda, foi construído um prédio para abrigar a Câmara Municipal, e parte do pátio foi transformado em jardim. Sobraram apenas algumas pequenas casas de turma, na parte de trás dos jardins, que ainda hoje estão bem conservadas. Haviam demolido até o prédio em que até 1940 era o ponto de partida do histórico ramal da Fazenda Dumont, e que depois do fechamento dessa ferrovia passou a servir como escritório da Mogiana.
Esta história, que conta um triste episódio da história de Ribeirão Preto, está com um pouco mais de detalhes na página referente a esta estação no meu site sobre o assunto. A sua pesquisa foi feita por mim mesmo há nove anos atrás, quando passei quase cinco dias no Arquivo Histórico da cidade procurando os dados, devido ao fato de haver lido, pouco antes, um livro sobre a cidade, escrito por um advogado local e que não somente não citava quando o fato havia ocorrido, como ainda se orgulhava de ter participado da decisão de demolição do pátio histórico. A principal fonte foram as edições do “Diário da Manhã” da época, lidos um a um. E mais: são relativamente raras as fotografias da estação. Parece que o “efeito Goebbels” foi amplo: a impressão que se têm é que a cidade sentiu vergonha da bela estação que tinha, ou que sente vergonha do fato que acabou com ela.
A vida seguiu, e a rodoviária ali construída deteriorou rapidamente o local, inclusive o centro comercial da cidade. É uma área que não é bem cuidada, ao contrário da cidade em si, muito agradável e bonita. A locomotiva a vapor ali exposta, que veio da Usina Amália, em Santa Rosa do Viterbo, está enferrujando ao tempo. Os trens de passageiros, nos 32 anos restantes, até 1997, pararam na estação nova, situada num local, que, apesar do que se previa, jamais se desenvolveu. Hoje, já há 12 anos sem trens de passageiros, é um local que pouca gente conhece ou freqüenta. Apenas raros funcionários da atual concessionária da linha, a FCA, da Vale, ali comparecem para manobrar ou partir comboios cargueiros para Uberaba ou Campinas. A ferrovia, pelo menos para o povo, é somente saudade na cidade que cresceu por causa dela e do café. (Fotos: originalmente dos álbuns da Cia. Mogiana, anos 1910. Acervos Antonio C. Belviso e Museu da Cia. Paulista, Jundiaí, SP)
Em janeiro de 1968, mudaram-se as instalações que ainda restavam no pátio. A oficina do departamento de tração e a reparação foram para outras estações; a de locomotivas a vapor (já pouco usadas então) passou para as estações de Uberaba e de Franca; a de carros e vagões, para Campinas, e as das diesel-elétricas para Ribeirão Preto-nova. No mesmo mês, foi demolida a plataforma de pedras, para unir as ruas General Osório, que era a que antes começava exatamente à frente da porta de entrada da estação velha, e a Martinico Prado, sua continuação do outro lado. Antes, apenas a rua Duque de Caxias, no ponto em que mudava o seu nome para Luiz da Cunha, tinha uma passagem de nível que permitia aos automóveis cruzar a linha, exatamente ao lado do prédio da estação. Vários desvios foram removidos e somente ficando os trilhos que agora eram parte do ramal de Guatapará. Com isso, desapareceram todo e qualquer traço do velho prédio de embarque de passageiros. A agencia da estação de Ribeirão Preto-ramal, demolida, foi transferida para um pequeno cubículo, a “JP”, perto de onde estava a rotunda. Esta estaçãozinha tinha até chefe: Antonio de Freitas, vindo da estação de Igaçaba. Um ano e meio depois, em 10 de outubro de 1969, a área que um dia abrigou a estação e todo o pátio de manobras e oficinas foi, como um todo, oficialmente extinta. É Dirceu Baldo quem conta, muitos anos depois: "No início de 1968, eu e meus pais fomos de trem para São Paulo, e morávamos perto da estação; ela tinha acabado de ser demolida, e embarcamos na JP. Uma composição com uma diesel e dois ou três carros levou-nos pela alça de ligação até Ribeirão-nova: aí pegamos uma litorina para a Capital." Ainda assim, os trilhos do ramal ali ficaram, com tráfego, restos do antigo tronco da Mogiana, até outubro de 1976, com a JP, e os trens passando. O ramal fechou e aí foram retirados às pressas para a inauguração da estação rodoviária, que se deu em novembro de 1976. Para os lados da rua Guatapará, onde estava a rotunda, foi construído um prédio para abrigar a Câmara Municipal, e parte do pátio foi transformado em jardim. Sobraram apenas algumas pequenas casas de turma, na parte de trás dos jardins, que ainda hoje estão bem conservadas. Haviam demolido até o prédio em que até 1940 era o ponto de partida do histórico ramal da Fazenda Dumont, e que depois do fechamento dessa ferrovia passou a servir como escritório da Mogiana.
Esta história, que conta um triste episódio da história de Ribeirão Preto, está com um pouco mais de detalhes na página referente a esta estação no meu site sobre o assunto. A sua pesquisa foi feita por mim mesmo há nove anos atrás, quando passei quase cinco dias no Arquivo Histórico da cidade procurando os dados, devido ao fato de haver lido, pouco antes, um livro sobre a cidade, escrito por um advogado local e que não somente não citava quando o fato havia ocorrido, como ainda se orgulhava de ter participado da decisão de demolição do pátio histórico. A principal fonte foram as edições do “Diário da Manhã” da época, lidos um a um. E mais: são relativamente raras as fotografias da estação. Parece que o “efeito Goebbels” foi amplo: a impressão que se têm é que a cidade sentiu vergonha da bela estação que tinha, ou que sente vergonha do fato que acabou com ela.
A vida seguiu, e a rodoviária ali construída deteriorou rapidamente o local, inclusive o centro comercial da cidade. É uma área que não é bem cuidada, ao contrário da cidade em si, muito agradável e bonita. A locomotiva a vapor ali exposta, que veio da Usina Amália, em Santa Rosa do Viterbo, está enferrujando ao tempo. Os trens de passageiros, nos 32 anos restantes, até 1997, pararam na estação nova, situada num local, que, apesar do que se previa, jamais se desenvolveu. Hoje, já há 12 anos sem trens de passageiros, é um local que pouca gente conhece ou freqüenta. Apenas raros funcionários da atual concessionária da linha, a FCA, da Vale, ali comparecem para manobrar ou partir comboios cargueiros para Uberaba ou Campinas. A ferrovia, pelo menos para o povo, é somente saudade na cidade que cresceu por causa dela e do café. (Fotos: originalmente dos álbuns da Cia. Mogiana, anos 1910. Acervos Antonio C. Belviso e Museu da Cia. Paulista, Jundiaí, SP)
segunda-feira, 25 de maio de 2009
O EFEITO GOEBBELS
Acima: o pátio ferroviário da estação velha de Ribeirão Preto, em
foto de Celso Frateschi: a rotunda à esquerda e a estação bem à direita.
Em primeiro plano, a área central da cidade
Em primeiro plano, a área central da cidade
No dia 1º de junho de 1965, com uma das inúmeras modificações e retificações da Mogiana, os trens de passageiros que partiam de Campinas para Ribeirão Preto, seguindo para Franca, Uberaba e Araguari, passaram a se utilizar de uma nova estação na cidade, construída na época pelo escritório de arquitetura de Luiz Carlos Bratke, que tinha como objetivo não somente dar uma estação mais nova, ampla e funcional para a cidade como também criar ali um polo centralizador de serviços, uma espécie de shopping center misturado com estação ferroviária, levando-se também em conta que o aeroporto da cidade ficava ali perto. A estação deveria ser ampliada nos anos seguintes, mas isso jamais ocorreu: fora da área urbana de Ribeirão Preto na época, a região acabou por não crescer da forma esperada.
O fato é que a estação antiga, que funcionou de 1885 a 1965, portanto por oitenta anos, foi desativada. Foi então construída uma linha para ligar as duas estações, posto que o ramal para Guatapará sairia agora da estação nova, mas seu leito estava ainda junto à estação antiga. Ou seja, o velho pátio seguia funcionando. Afinal, a velha rotunda para as locomotivas, os armazéns e casas de funcionários estavam ali e não seriam desativados tão rapidamente assim. Porém, não era isso que certos setores da cidade desejavam: com receio de perder uma boa parte de suas vendas feitas para os passageiros que durante oitenta anos embarcavam e desembarcavam na estação, então junto ao centro da cidade, os comerciantes se mobilizaram de forma a exigir que a Mogiana cedesse o terreno todo, ou pelo menos parte dele, para a construção de uma nova estação rodoviária, que poderia garantir o movimento desejado ou eventualmente até aumentá-lo. A campanha pela derrubada da estação começou bem antes da abertura da estação nova.
A velha estação passou a ser chamada de Ribeirão Preto-ramal. Na verdade, a estação já aguardava sua desativação desde 1961, quando a variante ligando Bento Quirino, em São Simão, à estação do Entroncamento, em Jardinópolis, já pronta, desde o final de 1961, passou a ficar com o tráfego dos trens cargueiros da Mogiana. Somente três anos depois, as estações da linha antiga foram fechadas, mas a estação de Ribeirão Preto-nova ainda não estava pronta. O trem de passageiros, mudado em 1964 para variante, vinha, então, por ela, passava direto pela estação nova e entrava pela ligação construída até a velha estação. Em 1965, porém, a nova foi aberta. O que se fazer com velha, então?
A pressão de políticos, comerciantes e do jornal "Diário da Manhã", da cidade, contrários ao processo de tombamento que corria para o velho prédio, foi mais forte: a estação, que chegou a abrigar por algum tempo o Grupo Escolar da Vila Tibério, foi derrubada no final de 1967. A pressão já vinha desde anos antes, onde o jornal referia-se à estação como "monstrengo", "pardieiro", antro de imundície e mau cheiro, e ao pátio onde estava a rotunda (a oficina das locomotivas, mais à frente), como o "triângulo da malária". Em 3 de janeiro, o jornal publicou uma reportagem, indignado com o fato de que a Mogiana havia nesse dia recomeçado o embarque e desembarque de passageiros na estação, para o ramal de Guatapará, além de o Grupo ainda estar sendo mantido no prédio. Conseguiram desalojá-lo, mas a estação ainda resistia: a Mogiana, que prometia sua demolição havia tempos, não cumpria suas promessas. Constantemente o jornal publicava a mesma fotografia aérea do pátio, afirmando que "por ali passaria uma grande avenida", etc. Em julho, a pressão cedeu, mas reacendeu-se em agosto, quando a Mogiana e a Prefeitura firmaram um acordo para a derrubada das instalações e a construção, por parte da ferrovia, da estação rodoviária no local. No mesmo mês começaram as demolições e, em outubro, vários dos edifícios já estavam no chão, inclusive o da velha estação de passageiros, da qual somente restou a plataforma. Até dezembro, pouca coisa se alterou, os trilhos continuavam passando por ali, por causa do ramal de Guatapará, considerado de "segurança nacional", por unir os troncos da Mogiana e da Paulista, sendo estudada até a possibilidade da ampliação de sua bitola para 1,60 m, que permitiria a vinda para a cidade dos trens desta última.
O jornal e os comerciantes conseguiram o que queriam: afinal, constantemente repetindo tudo de mal sobre o pátio (o que nem era verdade), usaram o método do nazista Joseph Goebbels: “uma mentira repetida seguidas vezes torna-se uma verdade”. (continua)
domingo, 24 de maio de 2009
OUTONO EM (SANTANA DE) PARNAÍBA
Nesta manhã de domingo saí para caminhar. Prescrição médica. Não que eu não goste, mas o difícil é caminhar sempre pelos mesmos lugares. Hoje decidi sair um pouco para mais longe. É outono, o céu está quase totalmente azul, somente se vendo algumas nuvens a leste, ao longe, e as árvores plantadas ao longo da antiga Estrada Velha de Parnaíba estão perdendo as folhas – paisagem bem outonal. O sol é quente e as sombras são frescas, quase frias.
Passei pela praça de entrada do bairro, reformada com a colocação de uma fonte e de palmeiras imperiais, ainda não muito altas, mas realmente ficou lindo. Dá uma impressão de imponência. Incrível o que se pode fazer de bonito com pouco dinheiro. A seguir, entrei pela rua que foi pavimentada há relativamente pouco tempo para dar acesso a uma obra de conjunto de prédios entre o bairro e o rio Tietê (horrível – nada para degradar tanto o ambiente quanto um conjunto de prédios altos e cheios de gente, numa concentração absurda de pessoas por metro quadrado) e também para o Colégio Universitário, já perto do rio. Até há pouco tempo, essa rua não tinha saída, mas agora estenderam uma pista para que carros possam chegar à estação de tratamento da SABESP na chamada Ilha do Bacuri. Aliás, a rua acompanha todo o parque da Ilha do Bacuri, hoje um parque administrado pela Prefeitura, mas fechado à visitação. Pode-se ouvir ao longo da cerca os ruídos de animais – principalmente de aves.
Segui pela rua estreita, onde, após o colégio, fechado como em todo domingo, dei de cara com o portão da estação de tratamento; ali existe uma passagem estreita à esquerda que dá acesso a uma estrada (caminha-se uns 20 metros no máximo) que é a marginal do rio Tietê naquele ponto. Muito tranquilo. O rio, infelizmente sujo, mas não está cheirando hoje. A paisagem do rio, no entanto, é sempre bonita. Do outro lado, pequenos morros, alguns com casas muito simples, outros ainda com vegetação apenas. Para a direita, o rio segue para a Barragem Edgard de Souza; para a esquerda, para Barueri. Nenhum dos dois locais se vê dali. De repente, passa por mim um bando de ciclistas. Sei lá para onde vão, pois para a direita sei que a pista não tem saída... talvez tenha para bicicletas, não sei.
Faço a volta e caminho de volta para casa. Na rua por onde vim e agora volto, calçada com tijolinhos cor de barro, bonita, um ou outro carro passa nos dois sentidos. Três, para ser exato, em quase dez minutos de caminhada nesse trecho. Quase chegando à avenida Yojiro Takaoka (que é a tal Estrada velha, hoje muito alargada e asfaltada, que acima citei), vejo a sujeira nas guias: é ali que os automóveis dos estudantes da UNIP estacionam todas as noites da semana. Raras vezes passo por ali de noite, mas é por isso que sei que há gente que fica dentro dos carros esperando outros ou conversando. É por isso que vejo o lixo de cigarros, sacos e embalagens do McDonald's ali próximos, jogados: é lamentável que ainda existam pessoas supostamente civilizadas que joguem lixo na rua, estando dentro de seus carros. Também é verdade que não existe por ali nenhuma lata ou cesto de lixo.
Depois de 45 minutos de caminhada, chego em casa: um belo dia de outono, sem dúvida.
Passei pela praça de entrada do bairro, reformada com a colocação de uma fonte e de palmeiras imperiais, ainda não muito altas, mas realmente ficou lindo. Dá uma impressão de imponência. Incrível o que se pode fazer de bonito com pouco dinheiro. A seguir, entrei pela rua que foi pavimentada há relativamente pouco tempo para dar acesso a uma obra de conjunto de prédios entre o bairro e o rio Tietê (horrível – nada para degradar tanto o ambiente quanto um conjunto de prédios altos e cheios de gente, numa concentração absurda de pessoas por metro quadrado) e também para o Colégio Universitário, já perto do rio. Até há pouco tempo, essa rua não tinha saída, mas agora estenderam uma pista para que carros possam chegar à estação de tratamento da SABESP na chamada Ilha do Bacuri. Aliás, a rua acompanha todo o parque da Ilha do Bacuri, hoje um parque administrado pela Prefeitura, mas fechado à visitação. Pode-se ouvir ao longo da cerca os ruídos de animais – principalmente de aves.
Segui pela rua estreita, onde, após o colégio, fechado como em todo domingo, dei de cara com o portão da estação de tratamento; ali existe uma passagem estreita à esquerda que dá acesso a uma estrada (caminha-se uns 20 metros no máximo) que é a marginal do rio Tietê naquele ponto. Muito tranquilo. O rio, infelizmente sujo, mas não está cheirando hoje. A paisagem do rio, no entanto, é sempre bonita. Do outro lado, pequenos morros, alguns com casas muito simples, outros ainda com vegetação apenas. Para a direita, o rio segue para a Barragem Edgard de Souza; para a esquerda, para Barueri. Nenhum dos dois locais se vê dali. De repente, passa por mim um bando de ciclistas. Sei lá para onde vão, pois para a direita sei que a pista não tem saída... talvez tenha para bicicletas, não sei.
Faço a volta e caminho de volta para casa. Na rua por onde vim e agora volto, calçada com tijolinhos cor de barro, bonita, um ou outro carro passa nos dois sentidos. Três, para ser exato, em quase dez minutos de caminhada nesse trecho. Quase chegando à avenida Yojiro Takaoka (que é a tal Estrada velha, hoje muito alargada e asfaltada, que acima citei), vejo a sujeira nas guias: é ali que os automóveis dos estudantes da UNIP estacionam todas as noites da semana. Raras vezes passo por ali de noite, mas é por isso que sei que há gente que fica dentro dos carros esperando outros ou conversando. É por isso que vejo o lixo de cigarros, sacos e embalagens do McDonald's ali próximos, jogados: é lamentável que ainda existam pessoas supostamente civilizadas que joguem lixo na rua, estando dentro de seus carros. Também é verdade que não existe por ali nenhuma lata ou cesto de lixo.
Depois de 45 minutos de caminhada, chego em casa: um belo dia de outono, sem dúvida.
sábado, 23 de maio de 2009
ÀS MARGENS DO JUQUERI-MIRIM
O Gato Preto é um pequeno bairro localizado às margens do quilômetro 36 da rodovia Anhanguera, hoje situado no município de Cajamar. Hoje um bairro decadentíssimo, nem sempre foi assim. A referência mais antiga que encontrei em documentos sobre o Gato Preto remonta a 1914, quando foi aberta ao tráfego a Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Vinda do bairro de Perus, a ferrovia percorria cerca de 14 quilômetros acompanhando a margem sul do rio Juqueri-Guaçu por quase todo o percurso, em bitola de 60 cm (uma das menores bitolas ferroviárias do mundo, talvez a menor), até atingir o povoado do Entroncamento, hoje no bairro do Guaturinho. Dali partia um ramal que seguia (um desvio industrial, oficialmente) por cerca de 6 quilômetros acompanhando o rio Juqueri-Mirim (afluente do outro) até chegar ao Gato Preto. Em 1914, tudo isso pertencia (exceto o bairro de Perus) ao município de Parnahyba, hoje Santana de Parnaíba. Em 1959, com a emancipação do município de Cajamar, tudo passou a ser território deste último.
A origem deste nome não sei. O fato é que em 1914 já era conhecido pelo curioso nome de Gato Preto e foi ali que se instalou um forno de cal e uma pedreira, além de um pátio ferroviário. Dali partia a cal exportada para Perus e dali pela Santos-Jundiaí para São Paulo. Somente em 1925 instalou-se em Perus a empresa canadense Companhia Brasileira de Cimento Portland, uma das primeiras fábricas de cimento brasileiras e a maior produtora por muitos anos. Ela então comprou a ferrovia e as instalações do Gato Preto para que estas fornecessem a cal e o calcário. Em 1951, o grupo Abdalla comprou tudo isso e passou a operar todo o complexo.
A fotografia acima, do acervo de Nilson Rodrigues, mostra parte do Gato Preto, provavelmente nos anos 1920. O viaduto de ferro que tem sobre ele a pequena locomotiva puxando vagonetes provavelmente cheios de calcário vindo da pedreira para os fornos de cal já não existe mais. Foi demolido por volta de 1947 por causa do final das obras da via Anhanguera (que passa hoje embaixo de onde ele ficava e estaria na fotografia ao lado direito, atrás do morro) e, segundo velhos moradores do bairro que trabalharam na empresa, seu material foi utilizado na montagem do aumento de capacidade das caieiras. A linha em primeiro plano vinha do Entroncamento e foi arrancada em 2004, depois de muitos anos abandonada debaixo do matagal. O rio que se vê à direita, passando debaixo de um pontilhão ao fundo, é o Juqueri-Mirim. À direita do rio, atualmente fica a Estrada do Limoeiro, asfaltada há pouco tempo. Ela passa por onde ficava a torre metálica de sustentação do viaduto que aparece no lado direito da fotografia. Ao fundo, à esquerda, as casinhas estão lá até hoje, assim como o casarão à direita, este encoberto por árvores. Ao fundo, as montanhas não aparecem tão nitidamente, pois existe uma grande quantidade de vegetação que as cobre, assim como um morro mais próximo que a serra ao fundo e que pode ser visto também à direita (não em primeiro plano) foi parcialmente nivelado por obras posteriores.
Para quem já foi ao Gato Preto, o forno de cal sobrevivente (e o mais antigo) e o depósito de locomotivas (ainda com diversas delas aguardando remoção) estão à esquerda e não podem ser vistos na fotografia, bem como a antiga estação e almoxarifado da ferrovia, hoje moradia.
Hoje pela manhã fui ao local e tentei tirar uma fotografia no mesmo ponto. Como eu já desconfiava, foi impossível fazê-lo. Eu teria de me meter no verdadeiro bosque em que se transformou o leito da linha, agravado pelo fato de que eu teria de cruzar o rio a partir da estrada, impossível sem um pontilhão. Portanto, não se vê nas fotografias que tirei as mesmas paisagens de fundo. Claro, conforme falei, não se vê o viaduto, demolido há mais de sessenta anos, mas de outro ponto ainda podem ser vistos os restos arruinados das bases da primeira torre metálica à esquerda.
A ferrovia fechou em 1983 e a fábrica de cimento em 1987. O Gato Preto, que chegou a ter dois clubes nos anos 1960, caiu quase que no esquecimento e jamais se recuperou, com o agravante de ter sido dividido pela rodovia, que o cortou em dois. O lado da direita, justamente o que não pode ser visto na fotografia, é o que hoje tem mais movimento. Há dois ou três conjuntos de casas que pertenceram à ferrovia que ainda são habitadas pelo pessoal do bairro.
A origem deste nome não sei. O fato é que em 1914 já era conhecido pelo curioso nome de Gato Preto e foi ali que se instalou um forno de cal e uma pedreira, além de um pátio ferroviário. Dali partia a cal exportada para Perus e dali pela Santos-Jundiaí para São Paulo. Somente em 1925 instalou-se em Perus a empresa canadense Companhia Brasileira de Cimento Portland, uma das primeiras fábricas de cimento brasileiras e a maior produtora por muitos anos. Ela então comprou a ferrovia e as instalações do Gato Preto para que estas fornecessem a cal e o calcário. Em 1951, o grupo Abdalla comprou tudo isso e passou a operar todo o complexo.
A fotografia acima, do acervo de Nilson Rodrigues, mostra parte do Gato Preto, provavelmente nos anos 1920. O viaduto de ferro que tem sobre ele a pequena locomotiva puxando vagonetes provavelmente cheios de calcário vindo da pedreira para os fornos de cal já não existe mais. Foi demolido por volta de 1947 por causa do final das obras da via Anhanguera (que passa hoje embaixo de onde ele ficava e estaria na fotografia ao lado direito, atrás do morro) e, segundo velhos moradores do bairro que trabalharam na empresa, seu material foi utilizado na montagem do aumento de capacidade das caieiras. A linha em primeiro plano vinha do Entroncamento e foi arrancada em 2004, depois de muitos anos abandonada debaixo do matagal. O rio que se vê à direita, passando debaixo de um pontilhão ao fundo, é o Juqueri-Mirim. À direita do rio, atualmente fica a Estrada do Limoeiro, asfaltada há pouco tempo. Ela passa por onde ficava a torre metálica de sustentação do viaduto que aparece no lado direito da fotografia. Ao fundo, à esquerda, as casinhas estão lá até hoje, assim como o casarão à direita, este encoberto por árvores. Ao fundo, as montanhas não aparecem tão nitidamente, pois existe uma grande quantidade de vegetação que as cobre, assim como um morro mais próximo que a serra ao fundo e que pode ser visto também à direita (não em primeiro plano) foi parcialmente nivelado por obras posteriores.
Para quem já foi ao Gato Preto, o forno de cal sobrevivente (e o mais antigo) e o depósito de locomotivas (ainda com diversas delas aguardando remoção) estão à esquerda e não podem ser vistos na fotografia, bem como a antiga estação e almoxarifado da ferrovia, hoje moradia.
Hoje pela manhã fui ao local e tentei tirar uma fotografia no mesmo ponto. Como eu já desconfiava, foi impossível fazê-lo. Eu teria de me meter no verdadeiro bosque em que se transformou o leito da linha, agravado pelo fato de que eu teria de cruzar o rio a partir da estrada, impossível sem um pontilhão. Portanto, não se vê nas fotografias que tirei as mesmas paisagens de fundo. Claro, conforme falei, não se vê o viaduto, demolido há mais de sessenta anos, mas de outro ponto ainda podem ser vistos os restos arruinados das bases da primeira torre metálica à esquerda.
A ferrovia fechou em 1983 e a fábrica de cimento em 1987. O Gato Preto, que chegou a ter dois clubes nos anos 1960, caiu quase que no esquecimento e jamais se recuperou, com o agravante de ter sido dividido pela rodovia, que o cortou em dois. O lado da direita, justamente o que não pode ser visto na fotografia, é o que hoje tem mais movimento. Há dois ou três conjuntos de casas que pertenceram à ferrovia que ainda são habitadas pelo pessoal do bairro.
sexta-feira, 22 de maio de 2009
NÚMEROS VERMELHOS
Eu era pequeno, mas já gostava de ler mapas. Sempre gostei deles. Abria os mapas de ruas do Guia Levi lá em casa e os estendia no chão da sala de visitas em minha casa no Sumaré. Era o início dos anos 1960. Eu me divertia vendo o tamanho da cidade, que já era grande naquela época, mas também bastante diferente de hoje, até no traçado de diversas ruas. Ainda não havia chegado o Prefeito Faria Lima, que começou com as obras de grandes avenidas e com o metrô. Não existiam a 23 de Maio, a Rubem Berta, a rua da Consolação como é hoje, a rua Vergueiro como é hoje, a avenida Sumaré, a Radial Leste e muitas outras.
Eu me fixava mais nas ruas próximas de onde eu morava, a dois quarteirões do Cemitério do Araçá, na pequena rua Tefé. Olhava as ruas quadriculadas dos bairros das Perdizes e Vila Pompéia, por exemplo. Numa delas moravam meus primos, na rua Wanderley. Eu achava curioso, por exemplo, que as ruas cruzassem uma avenida que tinha nome mas não existia (a avenida Sumaré) – aliás, cruzavam em teoria: na prática, não dava para cruzar, pois não dava passagem, não havia ponte sobre o córrego do Sumaré, mais tarde canalizado para a construção da avenida. E as ruas, no trecho do vale, eram todas de terra, menos as que citarei a seguir. Dava para cruzar pela rua Caiubi, era um ladeirão dos dois lados do vale, pavimentada toda ela com paralelepípedos. Também dava para cruzar pela João Ramalho, mas ali, o vale era muito mais aberto, quase plano. As duas ruas tinham duas mãos de direção.
Para ir à casa de meu tio Willi, que morava na Wanderley, mas do outro lado, lá no alto, junto da rua Campevas, meu pai subia até a avenida Doutor Arnaldo, seguia até a avenida Professor Alfonso Bovero, dobrava na rua Apinagés e dali chegava na rua Wanderley. Era o único jeito. A avenida e as ruas que a cruzavam somente foram asfaltadas no final dos anos 1960. Aí tudo mudou bastante. Não dava mais para andar de bicicleta no barreiro que era a avenida Sumaré, pois agora havia chegado o trânsito, com o asfalto.
Para o lado da Vila Pompeia, meu pai ia raramente. Pelo menos comigo. Ia, geralmente, quando eu pedia para ele me levar lá “para ver como era”. As ruas em sua maioria ali eram de terra. Havia somente casas e um ou outro prédio de três andares. Na rua Diana, todas as ruas que mais para trás cruzavam a avenida Sumaré mudavam de nome. As que até a rua Diana chamavam-se Ministro Gastão Mesquita (Esta mudava de nome também na avenida Sumaré, pois vindo da Cardoso de Almeida era Professor João Arruda), Wanderley, Caiuby, Bartira, João Ramalho e Homem de Mello, depois da rua Diana mudavam para Tavares Bastos, Coronel Melo Oliveira, Desembargador do Vale, Ministro Ferreira Alves, Padre Chico e Venâncio Ayres. Nessa ordem: eu sabia e ainda sei de cor. Mais tarde eu soube por que mudavam de nome: porque o loteamento que originou os bairros era outro na Vila Pompeia. Assim como todas essas ruas acabavam num vale que dividia a Vila Pompeia da Vila Romana. E assim por diante.
Nas ruas da Vila Pompeia e das Perdizes havia, nas casas, aquela plaquinha metálica azul, pequena, que numerava as casas. Só que algumas não eram azuis – eram vermelhas. Intrigado, perguntei a papai o porquê. Ele disse que era numeração não-oficial, e explicou que a Prefeitura, em alguns casos, não dava a numeração para as casas (sei lá por quê) e, então, os proprietários eram obrigados a colocar as mesmas plaquinhas, mas em cor vermelha.
Algumas dessas placas vermelhas sobrevivem até hoje, mas não é fácil de se as encontrar. Há três na rua Tavares Bastos. Uma delas está na fotografia acima. Com certeza o conceito de “numeração não-oficial” perdeu-se no tempo, pelo menos com a obrigatoriedade do uso das plaquinhas vermelhas. Mas elas continuaram ali em algumas casas – relíquias de um passado não tão distante.
Eu me fixava mais nas ruas próximas de onde eu morava, a dois quarteirões do Cemitério do Araçá, na pequena rua Tefé. Olhava as ruas quadriculadas dos bairros das Perdizes e Vila Pompéia, por exemplo. Numa delas moravam meus primos, na rua Wanderley. Eu achava curioso, por exemplo, que as ruas cruzassem uma avenida que tinha nome mas não existia (a avenida Sumaré) – aliás, cruzavam em teoria: na prática, não dava para cruzar, pois não dava passagem, não havia ponte sobre o córrego do Sumaré, mais tarde canalizado para a construção da avenida. E as ruas, no trecho do vale, eram todas de terra, menos as que citarei a seguir. Dava para cruzar pela rua Caiubi, era um ladeirão dos dois lados do vale, pavimentada toda ela com paralelepípedos. Também dava para cruzar pela João Ramalho, mas ali, o vale era muito mais aberto, quase plano. As duas ruas tinham duas mãos de direção.
Para ir à casa de meu tio Willi, que morava na Wanderley, mas do outro lado, lá no alto, junto da rua Campevas, meu pai subia até a avenida Doutor Arnaldo, seguia até a avenida Professor Alfonso Bovero, dobrava na rua Apinagés e dali chegava na rua Wanderley. Era o único jeito. A avenida e as ruas que a cruzavam somente foram asfaltadas no final dos anos 1960. Aí tudo mudou bastante. Não dava mais para andar de bicicleta no barreiro que era a avenida Sumaré, pois agora havia chegado o trânsito, com o asfalto.
Para o lado da Vila Pompeia, meu pai ia raramente. Pelo menos comigo. Ia, geralmente, quando eu pedia para ele me levar lá “para ver como era”. As ruas em sua maioria ali eram de terra. Havia somente casas e um ou outro prédio de três andares. Na rua Diana, todas as ruas que mais para trás cruzavam a avenida Sumaré mudavam de nome. As que até a rua Diana chamavam-se Ministro Gastão Mesquita (Esta mudava de nome também na avenida Sumaré, pois vindo da Cardoso de Almeida era Professor João Arruda), Wanderley, Caiuby, Bartira, João Ramalho e Homem de Mello, depois da rua Diana mudavam para Tavares Bastos, Coronel Melo Oliveira, Desembargador do Vale, Ministro Ferreira Alves, Padre Chico e Venâncio Ayres. Nessa ordem: eu sabia e ainda sei de cor. Mais tarde eu soube por que mudavam de nome: porque o loteamento que originou os bairros era outro na Vila Pompeia. Assim como todas essas ruas acabavam num vale que dividia a Vila Pompeia da Vila Romana. E assim por diante.
Nas ruas da Vila Pompeia e das Perdizes havia, nas casas, aquela plaquinha metálica azul, pequena, que numerava as casas. Só que algumas não eram azuis – eram vermelhas. Intrigado, perguntei a papai o porquê. Ele disse que era numeração não-oficial, e explicou que a Prefeitura, em alguns casos, não dava a numeração para as casas (sei lá por quê) e, então, os proprietários eram obrigados a colocar as mesmas plaquinhas, mas em cor vermelha.
Algumas dessas placas vermelhas sobrevivem até hoje, mas não é fácil de se as encontrar. Há três na rua Tavares Bastos. Uma delas está na fotografia acima. Com certeza o conceito de “numeração não-oficial” perdeu-se no tempo, pelo menos com a obrigatoriedade do uso das plaquinhas vermelhas. Mas elas continuaram ali em algumas casas – relíquias de um passado não tão distante.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
EM CASA QUE NÃO TEM PÃO...
Uma notícia publicada ontem sobre a MRS – concessionária da ferrovia que basicamente engloba as linhas de bitola larga da antiga Central do Brasil e da E. F. Santos a Jundiaí, nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – fez-me mais uma vez perceber que nem o Governo nem as empresas estão preocupados com um assunto muito sério: o futuro a curto prazo dos trens metropolitanos e do próprio transporte de cargas na região metropolitana de São Paulo.
Enquanto o Rio de Janeiro resolveu já há quase quarenta anos o problema do transporte de cargas que passa pela cidade, com a construção da linha em bitola mista Japeri-Arará, livrando a região metropolitana do Rio do conflito entre trens suburbanos e de carga (pois deixou as antigas linhas Auxiliar e do Centro para o transporte de passageiros), em São Paulo, a construção do ferreoanel em volta da Grande São Paulo, do qual se fala pelo menos desde os anos 1950, foi sucessivamente postergada. É verdade que uma visão de futuro da Sorocabana (que já era do Governo paulista nessa época) nos anos 1930 levou à construção da linha Mairinque-Santos pelas regiões oeste e sul da cidade e já sendo então a primeira etapa do anel ferroviário, tudo parecia correr bem nesse sentido. Nos anos 1970, foi entregue também pela RFFSA a linha unindo Rio Grande da Serra a Suzano, somente para cargueiros. Faltava, no entanto, unir a linha da Sorocabana a Rio Grande da Serra e Suzano a Pinheirinho (Itaquaquecetuba), fora a ligação norte, da qual um projeto com seu traçado definido jamais foi sequer discutido – ligaria Itaquaquecetuba a algum ponto da Sorocabana, com intersecção na linha da Santos-Jundiaí em algum ponto da região norte da área metropolitana. Esta parte – a maior parte – jamais foi construída e ainda estava em discussão quando da concessão para a MRS em 1997 das linhas citadas mais acima.
Para se ceder a concessão das linhas das antigas Central e EFSJ à MRS houve que se fazer um acordo com a CPTM para que esta cedesse espaço para os trens cargueiros continuarem passando em todas as suas linhas. O acordo funcionou razoavelmente no início, quando não o serviço de trens metropolitanos e o numero de cargueiros ainda era razoavelmente pequeno por causa do abandono total das ferrovias que tentavam se recuperar àquela época. Hoje, porém, ele está no limite, mas, o que é pior, em doze anos nada foi resolvido e o ferreoanel também não foi construído.
Sua construção envolve o Governo Federal, o Governo do Estado, as Prefeituras (devido às prováveis desapropriações envolvidas), a MRS e a CPTM, esta do Estado. E todos somente discutiram, não chegando a conclusão alguma por todo esse tempo decorrido. Há teimosia em excesso por parte da MRS e da CPTM e descaso dos Governos, que não percebem o problema que o excesso e saturação de tráfego por essas linhas irão causar. Como as cargas cruzam São Paulo pelas linhas da antiga RFFSA estas passarão a sofrer atrasos cada vez maiores por causa do tráfego de trens metropolitanos, também cada vez maior, e por sua vez, estes não poderão ser expandidos na velocidade que necessitam. Resultado: todos perdem, e o tráfego de automóveis na Capital, já caótico, sofrerá mais ainda por falta de opção ferroviária. Isto agravado pelo fato de que carga que não pode seguir por trem segue por caminhão, daí...
Nos últimos anos cogitou-se em não fazer o que falta do ferreoanel, mas sim estabelecer linhas a mais para uso exclusivo de cargueiros ao longo do que já existe. Porém, esta ideia também não avançou. O único trecho onde existe esta linha adicional para cargas é o trecho entre o Brás e Santo André. Enquanto isso, o trecho entre a Luz e o Brás é o mais critico para a CPTM – basta olhar o mapa desses trens que existe nos próprios carros da empresa. A MRS afirma que até 2012 “ainda dá”, mas que depois será o apocalipse.
E todos continuam parados e discutindo. Pelo menos um problema já existe hoje: um dos três trens turísticos que a CPTM quer implantar (e somente em fins de semana, não estamos falando da semana inteira) ainda não saiu exatamente por causa de rixas dela com a MRS – sempre lembrando que o trem turístico São Paulo-Jundiaí já funciona há mais de um mês com excelente aceitação. Em casa que não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão. Governos, MRS, CPTM – por favor, acordem e tirem o orgulho e a incompetência de lado e pensem na coletividade! Pelo amor de Deus!
Enquanto o Rio de Janeiro resolveu já há quase quarenta anos o problema do transporte de cargas que passa pela cidade, com a construção da linha em bitola mista Japeri-Arará, livrando a região metropolitana do Rio do conflito entre trens suburbanos e de carga (pois deixou as antigas linhas Auxiliar e do Centro para o transporte de passageiros), em São Paulo, a construção do ferreoanel em volta da Grande São Paulo, do qual se fala pelo menos desde os anos 1950, foi sucessivamente postergada. É verdade que uma visão de futuro da Sorocabana (que já era do Governo paulista nessa época) nos anos 1930 levou à construção da linha Mairinque-Santos pelas regiões oeste e sul da cidade e já sendo então a primeira etapa do anel ferroviário, tudo parecia correr bem nesse sentido. Nos anos 1970, foi entregue também pela RFFSA a linha unindo Rio Grande da Serra a Suzano, somente para cargueiros. Faltava, no entanto, unir a linha da Sorocabana a Rio Grande da Serra e Suzano a Pinheirinho (Itaquaquecetuba), fora a ligação norte, da qual um projeto com seu traçado definido jamais foi sequer discutido – ligaria Itaquaquecetuba a algum ponto da Sorocabana, com intersecção na linha da Santos-Jundiaí em algum ponto da região norte da área metropolitana. Esta parte – a maior parte – jamais foi construída e ainda estava em discussão quando da concessão para a MRS em 1997 das linhas citadas mais acima.
Para se ceder a concessão das linhas das antigas Central e EFSJ à MRS houve que se fazer um acordo com a CPTM para que esta cedesse espaço para os trens cargueiros continuarem passando em todas as suas linhas. O acordo funcionou razoavelmente no início, quando não o serviço de trens metropolitanos e o numero de cargueiros ainda era razoavelmente pequeno por causa do abandono total das ferrovias que tentavam se recuperar àquela época. Hoje, porém, ele está no limite, mas, o que é pior, em doze anos nada foi resolvido e o ferreoanel também não foi construído.
Sua construção envolve o Governo Federal, o Governo do Estado, as Prefeituras (devido às prováveis desapropriações envolvidas), a MRS e a CPTM, esta do Estado. E todos somente discutiram, não chegando a conclusão alguma por todo esse tempo decorrido. Há teimosia em excesso por parte da MRS e da CPTM e descaso dos Governos, que não percebem o problema que o excesso e saturação de tráfego por essas linhas irão causar. Como as cargas cruzam São Paulo pelas linhas da antiga RFFSA estas passarão a sofrer atrasos cada vez maiores por causa do tráfego de trens metropolitanos, também cada vez maior, e por sua vez, estes não poderão ser expandidos na velocidade que necessitam. Resultado: todos perdem, e o tráfego de automóveis na Capital, já caótico, sofrerá mais ainda por falta de opção ferroviária. Isto agravado pelo fato de que carga que não pode seguir por trem segue por caminhão, daí...
Nos últimos anos cogitou-se em não fazer o que falta do ferreoanel, mas sim estabelecer linhas a mais para uso exclusivo de cargueiros ao longo do que já existe. Porém, esta ideia também não avançou. O único trecho onde existe esta linha adicional para cargas é o trecho entre o Brás e Santo André. Enquanto isso, o trecho entre a Luz e o Brás é o mais critico para a CPTM – basta olhar o mapa desses trens que existe nos próprios carros da empresa. A MRS afirma que até 2012 “ainda dá”, mas que depois será o apocalipse.
E todos continuam parados e discutindo. Pelo menos um problema já existe hoje: um dos três trens turísticos que a CPTM quer implantar (e somente em fins de semana, não estamos falando da semana inteira) ainda não saiu exatamente por causa de rixas dela com a MRS – sempre lembrando que o trem turístico São Paulo-Jundiaí já funciona há mais de um mês com excelente aceitação. Em casa que não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão. Governos, MRS, CPTM – por favor, acordem e tirem o orgulho e a incompetência de lado e pensem na coletividade! Pelo amor de Deus!
quarta-feira, 20 de maio de 2009
TARCO OU VERVA?
Quem não se lembra dos velhos salões de barbeiros, cheios de velhinhos bigodudos que cortam cabelo e fazem a barba e conversam sobre política, futebol e mulheres? Bom, é cada vez menor o número de pessoas que deles se recordam e cada vez menor também o número desses salões. Aliás, chamar de salão, pelo menos hoje em dia, é altamente contraditório, pois a maioria dos que conheci ou vi fotografias não era maior do que uma garagem de automóveis. Hoje em dia ainda se vai ao barbeiro ou se vai ao cabeleireiro masculino? Da mesma forma, em muitos cabeleireiros hoje em dia quem corta cabelos são mulheres, e também em muitos casos o salão é para os dois sexos.
É, quem está sempre discutindo em uma lista de discussões pela Internet sobre trens acaba caindo em coisas totalmente fora de contexto. Saímos às vezes numa discussão que se origina em ferrovias para uma fazenda, uma indústria, uma casa antiga, um velho salão de barbeiro. Outro dia deu nisto – um amigo enviou uma foto de um velho salão de barbeiro em Palmital. Alias, nem tão velho assim, pois a foto tem uns 5-6 anos e o salão já tinha uma série de móveis com fórmica, e a cadeira não era daquelas tão antiga – embora ainda fosse de ferro. Eu me lembro das cadeiras Ferrante, toda de ferro (fora o assento e o encosto, claro). A marca era notória. Talvez ainda existam, mas não vendem mais cadeiras desse tipo, obviamente.
O Adriano – que mal passou dos trinta mas é um pesquisador de coisas antigas – jura que já não somente ouviu a expressão do título (Tarco ou Verva?) como ouviu a maior (Arco, Tarco ou Verva) em algum lugar do passado. Com o R substituindo o L nas cidades do interior paulista, “tarco” é óbvio, mas “verva” talvez nem tanto: é o produto “acqua velva”, que servia para passar na barba feita. O talco também e idem o álcool (arco). Daí a pergunta: qual o senhor prefere após a barba?
Eu fui a alguns desses barbeiros nos últimos anos: lembro-me de um em Campinas, outro em Itapira e outro em Araraquara. Este último era fantástico: tudo ali era antigo. Foi em 2003: ele ficava ao lado do pequeno, mas antigo Hotel Metrópole, na rua São Bento, centro da cidade de Araraquara. Infelizmente fechou: a Prefeitura era a dona do hotel e quando colocou o velho prédio de 1922 à venda os inquilinos o deixaram, inclusive a barbearia e seus velhinhos simpáticos, com quem também discuti, claro, sobre os velhos tempos da ferrovia na cidade. Afinal, velhinho tomava trem. Hoje em dia, só mesmo para ouvir a longa buzina das diesel que cruzam a cidade. O hotel reabriu muito bonito e mantendo o aspecto da época em que era o principal da cidade, mas a sala da barbearia virou outra coisa – uma loja, acho, não prestei muita atenção, pois fiquei triste quando vi que não era mais a barbearia, quando lá estive no principio deste ano.
Antes de escrever sobre isso fui dar uma olhada na Internet para ler algo sobre os velhos salões da Capital. É incrível como existem relatos deles. Ainda há alguns deles, pelo que li em um dos textos: na rua Turiassu com a Cardoso de Almeida, por exemplo, nas Perdizes. Há outros – em todos, “mulher não entra”, como ainda um no bairro do Paraíso. Eu me lembro de um na avenida Alfonso Bovero, nos anos 1960, aonde meu pai me levava para cortar o cabelo. Também não existe mais.
Também não lhe perguntam mais se quer “arco, tarco ou verva”.
É, quem está sempre discutindo em uma lista de discussões pela Internet sobre trens acaba caindo em coisas totalmente fora de contexto. Saímos às vezes numa discussão que se origina em ferrovias para uma fazenda, uma indústria, uma casa antiga, um velho salão de barbeiro. Outro dia deu nisto – um amigo enviou uma foto de um velho salão de barbeiro em Palmital. Alias, nem tão velho assim, pois a foto tem uns 5-6 anos e o salão já tinha uma série de móveis com fórmica, e a cadeira não era daquelas tão antiga – embora ainda fosse de ferro. Eu me lembro das cadeiras Ferrante, toda de ferro (fora o assento e o encosto, claro). A marca era notória. Talvez ainda existam, mas não vendem mais cadeiras desse tipo, obviamente.
O Adriano – que mal passou dos trinta mas é um pesquisador de coisas antigas – jura que já não somente ouviu a expressão do título (Tarco ou Verva?) como ouviu a maior (Arco, Tarco ou Verva) em algum lugar do passado. Com o R substituindo o L nas cidades do interior paulista, “tarco” é óbvio, mas “verva” talvez nem tanto: é o produto “acqua velva”, que servia para passar na barba feita. O talco também e idem o álcool (arco). Daí a pergunta: qual o senhor prefere após a barba?
Eu fui a alguns desses barbeiros nos últimos anos: lembro-me de um em Campinas, outro em Itapira e outro em Araraquara. Este último era fantástico: tudo ali era antigo. Foi em 2003: ele ficava ao lado do pequeno, mas antigo Hotel Metrópole, na rua São Bento, centro da cidade de Araraquara. Infelizmente fechou: a Prefeitura era a dona do hotel e quando colocou o velho prédio de 1922 à venda os inquilinos o deixaram, inclusive a barbearia e seus velhinhos simpáticos, com quem também discuti, claro, sobre os velhos tempos da ferrovia na cidade. Afinal, velhinho tomava trem. Hoje em dia, só mesmo para ouvir a longa buzina das diesel que cruzam a cidade. O hotel reabriu muito bonito e mantendo o aspecto da época em que era o principal da cidade, mas a sala da barbearia virou outra coisa – uma loja, acho, não prestei muita atenção, pois fiquei triste quando vi que não era mais a barbearia, quando lá estive no principio deste ano.
Antes de escrever sobre isso fui dar uma olhada na Internet para ler algo sobre os velhos salões da Capital. É incrível como existem relatos deles. Ainda há alguns deles, pelo que li em um dos textos: na rua Turiassu com a Cardoso de Almeida, por exemplo, nas Perdizes. Há outros – em todos, “mulher não entra”, como ainda um no bairro do Paraíso. Eu me lembro de um na avenida Alfonso Bovero, nos anos 1960, aonde meu pai me levava para cortar o cabelo. Também não existe mais.
Também não lhe perguntam mais se quer “arco, tarco ou verva”.
terça-feira, 19 de maio de 2009
AMERICANA TAMBÉM?
Não, a foto acima não é em Americana, mas mostra um Trem Unidade
Elétrico (TUE) metropolitano que poderia existir por aí.
Mais uma cidade paulista está pedindo ao DNIT para que se tire os “trilhos do mal”. Eles cortam a cidade em dois, pois a cidade cresceu para além dos trilhos no sentido da rodovia Anhanguera, há muitos anos. Certamente Americana não tem problemas de transito graves. Conheço a cidade. Jamais vi um congestionamento sério ali, a não ser com obras ou desastres que possam ter interrompido o tráfego em alguma rua importante.
Portanto, para que retirar o trem? Ele faz barulho? Sempre fez. E fazia mais, pois havia mais trens no passado. E havia fuligem das chaminés das locomotivas a vapor, coisa que não existe hoje. Construindo-se uma avenida no lugar dos trilhos, chegarão os ônibus, automóveis e caminhões (ué, pensei que eles fizessem barulho e poluíssem também) que vão, exatamente pelo fato de sim, fazerem barulho e sujeira, espantar as casas da futura avenida, que não as terá, mas terá, sim, lojas, oficinas e prédios e deteriorar-se-á rapidamente. Mais do que está hoje com os trilhos.
O pior é que tirando os trilhos para jogar as locomotivas com suas enormes fileiras de vagões para ali perto da via dos Bandeirantes, hoje fora da cidade, para o norte, Americana perderá a chance de ter um trem metropolitano ou VLT que conduza sua população que hoje vive próxima às linha que atravessa a cidade. Veículos bem mais silenciosos que os caminhões e ônibus, e bem menos poluentes.
Como pode um Prefeito e sua equipe não ver isso, Deus do Céu? As cidades querem crescer para aumentar a arrecadação, mas por outro lado não veem que isso trará mais transito. Cada vez mais. Querem virar uma nova São Paulo? Pelamordedeus!!! Povo da cidade de Americana, ponha-se contra isso! Levante-se para não se igualar à mediocridade de prefeitos de diversas épocas, como já aconteceu em outras cidades. Vamos lá, vamos citar apenas as de São Paulo, que arrancaram os trilhos e nada ganharam em troca: ou hoje têm avenidas decadentes com poluição e tudo, ou terrenos baldios dos quais ninguém cuida e aproveita: Araras, Pirassununga, Porto Ferreira, Descalvado, Rio Claro, São Carlos (esta quando abandonou ramais na década de 1960), Jaú, Piracicaba (esta, a linha da Sorocabana), Capivari, Salto, Itu, Ribeirão Preto (quando arrancou a linha da Mogiana original em 1968), Cravinhos, Franca, Batatais, Jardinópolis, Jacareí e outras cidades menores.
Povo de Americana, faça como fez Mogi das Cruzes, onde quiseram tirar o trem metropolitano mas não deixaram porque espernearam e venceram – agora vão ganhar um trem melhor, enquanto seguem com o trem comum. Façam como Santos e São Vicente, que vão usar o leito da antiga Sorocabana para colocar um VLT. Não façam como Mongaguá, Praia Grande, Itanhaém, Piracicaba (a linha da antiga Paulista), Santa Bárbara do Oeste, Sertãozinho, São José dos Campos que têm os trilhos, mas não usam para nada, pois ali as concessionárias também não os usam!
Senão, em pouco tempo terão congestionamentos, mais poluição e menos mobilidade. Lembrem-se: no território da cidade de Americana sempre houve duas estações, a central e a de São Jerônimo, esta em frente ao distrito industrial da cidade, em frente à antiga fábrica da Carioba. É só colocar mais paradas, pôr um trem ou VLT para funcionar e resolver o problema! Vocês têm até junho, pois, segundo escreve a reportagem do Portal Todo Dia, “Americana estuda retirar trilhos do centro”, publicada em 8 de maio último, "a partir da primeira quinzena de junho dois técnicos (do DNIT) virão para Americana". Podem até fazer o contorno pelo norte, mas não deixem que tirem os trilhos do centro.
Não percam o bonde, quer dizer, o VLT.
Portanto, para que retirar o trem? Ele faz barulho? Sempre fez. E fazia mais, pois havia mais trens no passado. E havia fuligem das chaminés das locomotivas a vapor, coisa que não existe hoje. Construindo-se uma avenida no lugar dos trilhos, chegarão os ônibus, automóveis e caminhões (ué, pensei que eles fizessem barulho e poluíssem também) que vão, exatamente pelo fato de sim, fazerem barulho e sujeira, espantar as casas da futura avenida, que não as terá, mas terá, sim, lojas, oficinas e prédios e deteriorar-se-á rapidamente. Mais do que está hoje com os trilhos.
O pior é que tirando os trilhos para jogar as locomotivas com suas enormes fileiras de vagões para ali perto da via dos Bandeirantes, hoje fora da cidade, para o norte, Americana perderá a chance de ter um trem metropolitano ou VLT que conduza sua população que hoje vive próxima às linha que atravessa a cidade. Veículos bem mais silenciosos que os caminhões e ônibus, e bem menos poluentes.
Como pode um Prefeito e sua equipe não ver isso, Deus do Céu? As cidades querem crescer para aumentar a arrecadação, mas por outro lado não veem que isso trará mais transito. Cada vez mais. Querem virar uma nova São Paulo? Pelamordedeus!!! Povo da cidade de Americana, ponha-se contra isso! Levante-se para não se igualar à mediocridade de prefeitos de diversas épocas, como já aconteceu em outras cidades. Vamos lá, vamos citar apenas as de São Paulo, que arrancaram os trilhos e nada ganharam em troca: ou hoje têm avenidas decadentes com poluição e tudo, ou terrenos baldios dos quais ninguém cuida e aproveita: Araras, Pirassununga, Porto Ferreira, Descalvado, Rio Claro, São Carlos (esta quando abandonou ramais na década de 1960), Jaú, Piracicaba (esta, a linha da Sorocabana), Capivari, Salto, Itu, Ribeirão Preto (quando arrancou a linha da Mogiana original em 1968), Cravinhos, Franca, Batatais, Jardinópolis, Jacareí e outras cidades menores.
Povo de Americana, faça como fez Mogi das Cruzes, onde quiseram tirar o trem metropolitano mas não deixaram porque espernearam e venceram – agora vão ganhar um trem melhor, enquanto seguem com o trem comum. Façam como Santos e São Vicente, que vão usar o leito da antiga Sorocabana para colocar um VLT. Não façam como Mongaguá, Praia Grande, Itanhaém, Piracicaba (a linha da antiga Paulista), Santa Bárbara do Oeste, Sertãozinho, São José dos Campos que têm os trilhos, mas não usam para nada, pois ali as concessionárias também não os usam!
Senão, em pouco tempo terão congestionamentos, mais poluição e menos mobilidade. Lembrem-se: no território da cidade de Americana sempre houve duas estações, a central e a de São Jerônimo, esta em frente ao distrito industrial da cidade, em frente à antiga fábrica da Carioba. É só colocar mais paradas, pôr um trem ou VLT para funcionar e resolver o problema! Vocês têm até junho, pois, segundo escreve a reportagem do Portal Todo Dia, “Americana estuda retirar trilhos do centro”, publicada em 8 de maio último, "a partir da primeira quinzena de junho dois técnicos (do DNIT) virão para Americana". Podem até fazer o contorno pelo norte, mas não deixem que tirem os trilhos do centro.
Não percam o bonde, quer dizer, o VLT.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
O HORTO DE GUARANI
Na fotografia, restos da estação de Guarani em novembro de 1998, foto que tirei quando lá estive.
Pouca gente deve saber onde está localizado Guarani. O local é uma antiga estação ferroviária ao norte do pequeno município de Guatapará, na margem direita do rio Mogi-Guaçu, na região de Ribeirão Preto. Ela foi inaugurada em 1901, substituída por outra no final dos anos 1920, mas sempre teve como objetivo, além do abastecimento de água e lenha às locomotivas a vapor, o ponto de ligação com o horto florestal que a Companhia Paulista de Estradas de Ferro mantinha no local. Era este um dos muitos hortos da Paulista no Estado. Estes tinham como objetivo o suprimento de lenha, dormentes e madeira em geral para combustível de trens e manutenção das linhas e edifícios da empresa.
Hoje nem horto nem estação existem mais. A única vez que estive no local foi há onze anos. A estação, demolida um armazém tipicamente “Companhia Paulista” ainda em pé ao lado, e mais nada: não vi vila alguma em volta, apenas uma ou outra casinha afastada. Para chegar lá, em Guatapará me recomendaram seguir o “calipar” (eucaliptal), que era o resto do que havia sobrado no horto. E, apesar disso, é quase inacreditável como esses lugares permanecem na memória das pessoas que os conheceram.
Cássio Ruas de Moraes é uma dessas pessoas. Ele escreve: “(O horto) era o paraíso das minhas férias escolares. Na varanda da frente da casa esperava com impaciência que a chuva passasse. Descia alguns degraus e parava no caminho de terra arenosa, observando os curiosos desenhos da enxurrada no chão. Traçados sinuosos que se encontravam e divergiam na areia fina, alisada pelas águas, com pequenas poças a permanecer nas depressões. Divertia-me a afundar os pés na terra, desmanchando os caprichosos desenhos da natureza. Deleitava-me com a carícia macia e fresca que me subia dos pés. Sementes de eucaliptos parecidas com pequenos piões espalhavam-se pelo chão. Distraía-me sem noção do tempo. Este só era marcado quando me chamavam para o lanche, para o banho e para dormir. No entanto, não me distraía do horário dos trens. Da varanda descortinava-se um pasto, sempre com animais que forneciam o leite para a colônia e que alimentávamos com espigas de milho por diversão. Além do pasto, estava a estrada de ferro. Havia eucaliptais e grandes extensões ocupadas por vegetação do tipo cerrado de árvores baixas e de fácil penetração para o gado ou para as crianças que iam em busca de frutos silvestres. Havia seriemas, lagoa com jacarés e o rio Mogi, mas estes proibidos aos menores, permanecendo para nós uma bruma de mistério. A cavalo, ajudava na tarefa de reunir o gado no fim do dia e trazê-lo para a segurança dos estábulos. Havia muitas outras coisas de causar deslumbramento. Sem embargo, o foco das minhas atenções era a estrada de ferro que cruzava o domínio, com a estação e o armazém. Era só começar a ouvir um ruído ao longe, procurava um ponto de observação, geralmente a própria varanda com sua mureta bem apropriada para isso. Firmava a vista no fim do pasto e aparecia o topo da locomotiva, seguido dos vagões que iam crescendo até se descobrirem a ponto de ver-lhes as rodas, sumindo à direita onde ficava a estação. Dava para notar-lhes as características, o tipo de locomotiva, o tipo de comboio e contar de quantos vagões se compunha. Aqueles momentos eu desejava prolongar, como hoje desejaria revivê-los, pedindo papel e lápis, ou lousa e giz. Desenhava. Se achava que faltava algum pormenor, procurava esclarecê-lo quando aparecia a oportunidade de ver o trem de perto. O ponto alto do dia era ir à estação ver passar os trens de passageiros. Às duas da tarde vinha o primeiro que saíra de São Paulo muitas horas antes e se dirigia a Barretos. Amarrava o cavalo no pára-choque do desvio e lá ficava a esperar. Pontualmente chegavam a grande locomotiva e os carros de aço, fazendo-me transbordar de satisfação e orgulho. Parava pouco e partia. Eu só tinha que esperar meia hora por ali, pois, da direção oposta, às duas e meia, vinha o outro, com o mesmo tipo de locomotiva, os mesmos carros. Outra parada rápida e ia embora para São Paulo, deixando-me o silêncio do campo. Madrugada era frio, era aroma de eucalipto, era cheiro de leite a ferver no fogão a lenha. Copo na mão com açúcar no fundo, íamos habitualmente aonde ordenhavam as vacas para tomar de seu leite espumoso e morno. Algumas madrugadas eram especiais. Saltava contente, vestia a melhor roupa que minha mãe separava, engolia a xícara de leite e café, e dali a pouco sacolejava na camionete a caminho da estação, em companhia do meu tio, engenheiro agrônomo da Paulista, que fazia viagens de inspeção dos hortos florestais e, para minha alegria, levava-me. A silhueta da estação recortava-se contra o céu cuja escuridão esmaecia num tom avermelhado. Sob a cobertura da plataforma, duas lâmpadas amarelas emitiam seu brilho fraco. As poucas pessoas, vultos de feições indefinidas, cumprimentavam-se. Nas linhas do desvio, algum vagão esquecido parecia ainda dormir, ignorando o dia que se aproximava. O poste do sinal mostrava o braço abaixado, indicando que o trem que esperávamos estava próximo. Concentrava-me nas paralelas que refletiam o clarão do alvorecer. Logo aparecia o farol da máquina esforçando-se para vencer o aclive que chegava à estação. A terra tremia e a máquina passava qual um pequeno furacão, com seu estrondo de ferros em movimento. Mãos protetoras puxavam-me, afastando-me daquele turbilhão, temendo que eu fosse sugado por ele. As janelas iluminadas sucediam-se até parar por completo. Vinha súbito silêncio somente quebrado pelo chiado do vapor liberado pela locomotiva. O momento, porém, era de ação e eu era conduzido quase a correr e ajudado a subir os altos degraus, adentrando o carro de passageiros com as pessoas sonolentas. Sentado na poltrona de palhinha trançada, meus pés mal tocavam o chão. Atentava para a sequência de apitos e o comboio se movia com quase imperceptíveis solavancos. Testa contra a vidraça, agora via desfilar lá fora a frente da estação, o armazém, o pasto e, entre flamboyants e eucaliptos, além do pasto, a casa com a varanda de onde costumava observar os trens. Até que tudo fosse encoberto pela vegetação a passar rapidamente, tirando-me a vista. Tinha doze anos quando pela última vez desvendou-se diante de mim esse panorama. Naqueles anos vi entristecido a substituição das belas locomotivas a vapor pelas diesel-elétricas sem personalidade ou traços individuais. Também os trens melhoravam com a chegada do Trem Azul, que substituiu os de aço nos horários principais. Davam a impressão de progresso. Entretanto, tudo acabou no prazo de uma geração. Ficou a memória rica e sempre cultivada, ainda que dolorosa, daquelas férias de menino.
Epílogo: O Horto Florestal do Guarani, da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, no município de Pradópolis, ainda conservando extensos eucaliptais, foi negligenciado pela FEPASA depois da estatização durante trinta anos. Foi invadido por integrantes do Movimento dos Sem-Terra, que lhe saquearam a madeira e queimaram suas inúmeras habitações e benfeitorias. Posteriormente, o Governo do Estado de São Paulo dividiu-o em glebas e distribuiu-as aos invasores. Então, já não passava de terra arrasada”.
Pouca gente deve saber onde está localizado Guarani. O local é uma antiga estação ferroviária ao norte do pequeno município de Guatapará, na margem direita do rio Mogi-Guaçu, na região de Ribeirão Preto. Ela foi inaugurada em 1901, substituída por outra no final dos anos 1920, mas sempre teve como objetivo, além do abastecimento de água e lenha às locomotivas a vapor, o ponto de ligação com o horto florestal que a Companhia Paulista de Estradas de Ferro mantinha no local. Era este um dos muitos hortos da Paulista no Estado. Estes tinham como objetivo o suprimento de lenha, dormentes e madeira em geral para combustível de trens e manutenção das linhas e edifícios da empresa.
Hoje nem horto nem estação existem mais. A única vez que estive no local foi há onze anos. A estação, demolida um armazém tipicamente “Companhia Paulista” ainda em pé ao lado, e mais nada: não vi vila alguma em volta, apenas uma ou outra casinha afastada. Para chegar lá, em Guatapará me recomendaram seguir o “calipar” (eucaliptal), que era o resto do que havia sobrado no horto. E, apesar disso, é quase inacreditável como esses lugares permanecem na memória das pessoas que os conheceram.
Cássio Ruas de Moraes é uma dessas pessoas. Ele escreve: “(O horto) era o paraíso das minhas férias escolares. Na varanda da frente da casa esperava com impaciência que a chuva passasse. Descia alguns degraus e parava no caminho de terra arenosa, observando os curiosos desenhos da enxurrada no chão. Traçados sinuosos que se encontravam e divergiam na areia fina, alisada pelas águas, com pequenas poças a permanecer nas depressões. Divertia-me a afundar os pés na terra, desmanchando os caprichosos desenhos da natureza. Deleitava-me com a carícia macia e fresca que me subia dos pés. Sementes de eucaliptos parecidas com pequenos piões espalhavam-se pelo chão. Distraía-me sem noção do tempo. Este só era marcado quando me chamavam para o lanche, para o banho e para dormir. No entanto, não me distraía do horário dos trens. Da varanda descortinava-se um pasto, sempre com animais que forneciam o leite para a colônia e que alimentávamos com espigas de milho por diversão. Além do pasto, estava a estrada de ferro. Havia eucaliptais e grandes extensões ocupadas por vegetação do tipo cerrado de árvores baixas e de fácil penetração para o gado ou para as crianças que iam em busca de frutos silvestres. Havia seriemas, lagoa com jacarés e o rio Mogi, mas estes proibidos aos menores, permanecendo para nós uma bruma de mistério. A cavalo, ajudava na tarefa de reunir o gado no fim do dia e trazê-lo para a segurança dos estábulos. Havia muitas outras coisas de causar deslumbramento. Sem embargo, o foco das minhas atenções era a estrada de ferro que cruzava o domínio, com a estação e o armazém. Era só começar a ouvir um ruído ao longe, procurava um ponto de observação, geralmente a própria varanda com sua mureta bem apropriada para isso. Firmava a vista no fim do pasto e aparecia o topo da locomotiva, seguido dos vagões que iam crescendo até se descobrirem a ponto de ver-lhes as rodas, sumindo à direita onde ficava a estação. Dava para notar-lhes as características, o tipo de locomotiva, o tipo de comboio e contar de quantos vagões se compunha. Aqueles momentos eu desejava prolongar, como hoje desejaria revivê-los, pedindo papel e lápis, ou lousa e giz. Desenhava. Se achava que faltava algum pormenor, procurava esclarecê-lo quando aparecia a oportunidade de ver o trem de perto. O ponto alto do dia era ir à estação ver passar os trens de passageiros. Às duas da tarde vinha o primeiro que saíra de São Paulo muitas horas antes e se dirigia a Barretos. Amarrava o cavalo no pára-choque do desvio e lá ficava a esperar. Pontualmente chegavam a grande locomotiva e os carros de aço, fazendo-me transbordar de satisfação e orgulho. Parava pouco e partia. Eu só tinha que esperar meia hora por ali, pois, da direção oposta, às duas e meia, vinha o outro, com o mesmo tipo de locomotiva, os mesmos carros. Outra parada rápida e ia embora para São Paulo, deixando-me o silêncio do campo. Madrugada era frio, era aroma de eucalipto, era cheiro de leite a ferver no fogão a lenha. Copo na mão com açúcar no fundo, íamos habitualmente aonde ordenhavam as vacas para tomar de seu leite espumoso e morno. Algumas madrugadas eram especiais. Saltava contente, vestia a melhor roupa que minha mãe separava, engolia a xícara de leite e café, e dali a pouco sacolejava na camionete a caminho da estação, em companhia do meu tio, engenheiro agrônomo da Paulista, que fazia viagens de inspeção dos hortos florestais e, para minha alegria, levava-me. A silhueta da estação recortava-se contra o céu cuja escuridão esmaecia num tom avermelhado. Sob a cobertura da plataforma, duas lâmpadas amarelas emitiam seu brilho fraco. As poucas pessoas, vultos de feições indefinidas, cumprimentavam-se. Nas linhas do desvio, algum vagão esquecido parecia ainda dormir, ignorando o dia que se aproximava. O poste do sinal mostrava o braço abaixado, indicando que o trem que esperávamos estava próximo. Concentrava-me nas paralelas que refletiam o clarão do alvorecer. Logo aparecia o farol da máquina esforçando-se para vencer o aclive que chegava à estação. A terra tremia e a máquina passava qual um pequeno furacão, com seu estrondo de ferros em movimento. Mãos protetoras puxavam-me, afastando-me daquele turbilhão, temendo que eu fosse sugado por ele. As janelas iluminadas sucediam-se até parar por completo. Vinha súbito silêncio somente quebrado pelo chiado do vapor liberado pela locomotiva. O momento, porém, era de ação e eu era conduzido quase a correr e ajudado a subir os altos degraus, adentrando o carro de passageiros com as pessoas sonolentas. Sentado na poltrona de palhinha trançada, meus pés mal tocavam o chão. Atentava para a sequência de apitos e o comboio se movia com quase imperceptíveis solavancos. Testa contra a vidraça, agora via desfilar lá fora a frente da estação, o armazém, o pasto e, entre flamboyants e eucaliptos, além do pasto, a casa com a varanda de onde costumava observar os trens. Até que tudo fosse encoberto pela vegetação a passar rapidamente, tirando-me a vista. Tinha doze anos quando pela última vez desvendou-se diante de mim esse panorama. Naqueles anos vi entristecido a substituição das belas locomotivas a vapor pelas diesel-elétricas sem personalidade ou traços individuais. Também os trens melhoravam com a chegada do Trem Azul, que substituiu os de aço nos horários principais. Davam a impressão de progresso. Entretanto, tudo acabou no prazo de uma geração. Ficou a memória rica e sempre cultivada, ainda que dolorosa, daquelas férias de menino.
Epílogo: O Horto Florestal do Guarani, da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, no município de Pradópolis, ainda conservando extensos eucaliptais, foi negligenciado pela FEPASA depois da estatização durante trinta anos. Foi invadido por integrantes do Movimento dos Sem-Terra, que lhe saquearam a madeira e queimaram suas inúmeras habitações e benfeitorias. Posteriormente, o Governo do Estado de São Paulo dividiu-o em glebas e distribuiu-as aos invasores. Então, já não passava de terra arrasada”.
domingo, 17 de maio de 2009
O MAIOR GOVERNADOR DE SÃO PAULO
O maior Governador que São Paulo já teve esteve por apenas seis meses no cargo. Assumiu como Presidente da Província (era assim que se chamavam então os governadores) em 24 de outubro de 1867 e deixou-a em 24 de abril de 1868. Não existiu até hoje ninguém que tenha feito tanto pelo Estado e em tão pouco tempo quanto Joaquim Saldanha Marinho, um pernambucano de Olinda que foi também Presidente de Minas Gerais, deputado e senador do Império. Nos tempos em que São Paulo era província, e pobre, sem influência nos destinos do País, os Presidentes eram nomeados pelo Governo Imperial e na maioria das vezes, além de não serem paulistas, entravam e saíam sem ter grande interesse por uma Província que pouco representava no contexto, sendo mais pobres do que outras como a Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e a Capital do Império, a cidade do Rio, desvinculada então da Província do mesmo nome. Embora no passado os paulistas tenham tido uma influência muito grande no povoamento das outras capitanias e nas lutas com os espanhóis, franceses e holandeses pelo País inteiro, sua força interna era pequena. Tanto que houvera mais um desmembramento de território para a criação do Paraná (1853) quatorze anos antes de Saldanha Marinho. Ainda por cima, essas duas Províncias e mais a de Santa Catarina eram Províncias que estavam despovoadas em mais de 50% de seus territórios (sempre na parte oeste), mostrados nos mapas como “territórios desconhecidos e povoados por índios”.
Embora Morgado de Mateus (1765-1775) e alguns de seus sucessores na Presidência de São Paulo tenham se preocupado com esta situação de baixo povoamento com bons ou não tão bons resultados, os bons resultados somente conseguiram ser cristalizados com o que Saldanha conseguiu: o estabelecimento de uma rede ferroviária a partir de Jundiaí, com a criação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em 1868, um ano depois de a São Paulo Railway (depois E. F. Santos a Jundiaí), construída e operada por ingleses, a partir de sua ação catalisadora junto aos fazendeiros de café do chamado então Oeste Paulista (região de Campinas, Jaú, Araras, Descalvado e outras cidades). Nesta ação, “peitou” os ingleses, que tinham a concessão para seguir de Rio Claro a Jundiaí mas não estavam nem um pouco dispostos a dela se utilizar. Os motivos eram: na época já estavam satisfeitos com a condição de “funil” (para o porto de Santos) dos carregamentos de café que chegavam até a ponta da linha em Jundiaí (com enormes dificuldades de transporte, diga-se de passagem) e também bastante receosos com os resultados que poderiam advir da Guerra do Paraguai, então em curso.
Conseguiu forçá-los a repassar a concessão para a empresa que ele havia ajudado a criar para os fazendeiros (gente de dinheiro como os Prado e os Souza Queiroz, por exemplo) e não sossegou enquanto a ata de constituição da empresa não estivesse assinada. Não quis ser acionista no empreendimento. Considerado pela diretoria da antiga Paulista como o fundador da empresa, ele retirou-se de São Paulo quando o novo Governador assumiu o cargo em abril de 1868. A Companhia Paulista foi uma das ferrovias mais rentáveis do País e considerada no seu apogeu como uma das melhores e mais eficientes ferrovias do mundo. Foi a última ferrovia privada a desaparecer no País, em 1961, estatizada à força pelo Governador Carvalho Pinto.
É possível que se Saldanha não tivesse conseguido o empreendimento ele viesse depois com os próprios ingleses, que precisariam expandir os trilhos para conseguir mais café. Mas muito tempo teria sido perdido. Saldanha teve a visão de que não se poderia esperar. Todos sabemos que o desenvolvimento das ferrovias no Estado, muito rápido a partir da Paulista (Ituana em 1870, Sorocabana em 1871 e Mogiana em 1872) e do lado leste (E. F. São Paulo-Rio em 1869 e Central do Brasil a partir do Rio de Janeiro no mesmo ano), levou à riqueza do Estado transportando café e outros produtos e possibilitando direta ou indiretamente o povoamento do oeste paulista de uma forma muitíssimo mais rápida do que vinha ocorrendo desde Morgado de Mateus. Em São Paulo, Saldanha Marinho foi nome de uma estação da Paulista, em Dois Córregos (Estação desaparecida em 1941) e nomeou o edifício-sede da Companhia Paulista na rua Libero Badaró, em São Paulo. É nome de algumas ruas no Estado e também fora dele. Muitos de seus antecessores e sucessores em São Paulo também são nomes de ruas, sendo que da maioria destes, isto é tudo que se deve lembrar, pois pouco representaram para o desenvolvimento do hoje mais rico Estado do País.
Saldanha Marinho foi também escritor e um dos constituintes de 1891. Morreu no Rio de Janeiro em 1895, aos 79 anos de idade.
Embora Morgado de Mateus (1765-1775) e alguns de seus sucessores na Presidência de São Paulo tenham se preocupado com esta situação de baixo povoamento com bons ou não tão bons resultados, os bons resultados somente conseguiram ser cristalizados com o que Saldanha conseguiu: o estabelecimento de uma rede ferroviária a partir de Jundiaí, com a criação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em 1868, um ano depois de a São Paulo Railway (depois E. F. Santos a Jundiaí), construída e operada por ingleses, a partir de sua ação catalisadora junto aos fazendeiros de café do chamado então Oeste Paulista (região de Campinas, Jaú, Araras, Descalvado e outras cidades). Nesta ação, “peitou” os ingleses, que tinham a concessão para seguir de Rio Claro a Jundiaí mas não estavam nem um pouco dispostos a dela se utilizar. Os motivos eram: na época já estavam satisfeitos com a condição de “funil” (para o porto de Santos) dos carregamentos de café que chegavam até a ponta da linha em Jundiaí (com enormes dificuldades de transporte, diga-se de passagem) e também bastante receosos com os resultados que poderiam advir da Guerra do Paraguai, então em curso.
Conseguiu forçá-los a repassar a concessão para a empresa que ele havia ajudado a criar para os fazendeiros (gente de dinheiro como os Prado e os Souza Queiroz, por exemplo) e não sossegou enquanto a ata de constituição da empresa não estivesse assinada. Não quis ser acionista no empreendimento. Considerado pela diretoria da antiga Paulista como o fundador da empresa, ele retirou-se de São Paulo quando o novo Governador assumiu o cargo em abril de 1868. A Companhia Paulista foi uma das ferrovias mais rentáveis do País e considerada no seu apogeu como uma das melhores e mais eficientes ferrovias do mundo. Foi a última ferrovia privada a desaparecer no País, em 1961, estatizada à força pelo Governador Carvalho Pinto.
É possível que se Saldanha não tivesse conseguido o empreendimento ele viesse depois com os próprios ingleses, que precisariam expandir os trilhos para conseguir mais café. Mas muito tempo teria sido perdido. Saldanha teve a visão de que não se poderia esperar. Todos sabemos que o desenvolvimento das ferrovias no Estado, muito rápido a partir da Paulista (Ituana em 1870, Sorocabana em 1871 e Mogiana em 1872) e do lado leste (E. F. São Paulo-Rio em 1869 e Central do Brasil a partir do Rio de Janeiro no mesmo ano), levou à riqueza do Estado transportando café e outros produtos e possibilitando direta ou indiretamente o povoamento do oeste paulista de uma forma muitíssimo mais rápida do que vinha ocorrendo desde Morgado de Mateus. Em São Paulo, Saldanha Marinho foi nome de uma estação da Paulista, em Dois Córregos (Estação desaparecida em 1941) e nomeou o edifício-sede da Companhia Paulista na rua Libero Badaró, em São Paulo. É nome de algumas ruas no Estado e também fora dele. Muitos de seus antecessores e sucessores em São Paulo também são nomes de ruas, sendo que da maioria destes, isto é tudo que se deve lembrar, pois pouco representaram para o desenvolvimento do hoje mais rico Estado do País.
Saldanha Marinho foi também escritor e um dos constituintes de 1891. Morreu no Rio de Janeiro em 1895, aos 79 anos de idade.
sábado, 16 de maio de 2009
OS ESQUECIDOS PASSAGEIROS DOS TRENS BRASILEIROS
Ao centro da fotografia, tomada em Santa Cruz das Palmeiras, SP, nos anos 1940, com a cabeça encoberta na janela, aparece Dudízio, que mais tarde foi goleiro do Jabaquara, de Santos, nos anos 1960. Faleceu no ano de 2004. Acervo Ralph M. Giesbrecht por cessão do próprio Dudízio, ou Luiz Affonso Mendes.
Quem mora em São Paulo vê todos os dias trens de passageiros. São os trens da CPTM, que herdou e (graças a Deus) melhorou (muito) os antigos trens de subúrbio da Sorocabana, Santos-Jundiaí e Central do Brasil há cerca de 15 anos. Vê também os trens do metrô, que teima em chamar de metrô e dizer que não é trem, mas é, sim. Tanto que a imprensa usa o nome “os trens do metrô” e “os trens da CPTM”. São empresas diferentes, embora ambas pertençam ao Governo do Estado. Aliás, está mais do que na cara que, quando a Prefeitura de São Paulo criou o metrô (depois o Governo Estadual encampou) nos anos 1960, forçou este nome por causa do descalabro das linhas suburbanas que então eram operadas pelas empresas citadas acima. Se chamasse de “trem”, ninguém ia usar, dado o preconceito existente contra os trens de subúrbio de tão ruins que eram. Preconceito que segue existindo até hoje, embora os trens metropolitanos da CPTM de hoje sejam infinitamente superiores em termos de operação, horário e limpeza. Quem critica hoje a CPTM não tem ideia ou não se lembra realmente de como funcionavam estas linhas até a primeira metade dos anos 1990.
Porém, os trens de longo percurso — aqueles em que se tinha de viajar sentado, em carros de primeira e de segunda classe, saindo da Luz ou da Júlio Prestes para o interior do Estado e até (pasmem, leitores de hoje!) para outros estados longínquos como o Mato Grosso, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (e, pasmem mais ainda, até outros!) —, estes não existem mais.
O curioso é que, em palestras que faço no Instituto Histórico e Geográfico e em faculdades, e mesmo em conversa com pessoas que não têm o mesmo interesse que eu tenho na história ferroviária do País, há sempre uma imensa surpresa quando cito que “os trens não foram implantados para servir aos passageiros, e sim para transportar cargas”. E faz sentido esse raciocínio, quando lembramos que o que o trem representava para os seus usuários era exatamente o transporte deles próprios – os trens cargueiros estavam sempre escondidos lá no cantinho e quando passavam pelas cidades pouca gente notava.
Pois é, era isso mesmo. Quem trazia o lucro para as empresas sempre foram as mercadorias. No Brasil, mais especificamente, em grande parte do País, o café e o açúcar. Claro que havia outras cargas: gado, algodão, grãos em geral. Aos poucos os minérios e os derivados de petróleo foram desbancando o café. Hoje em dia o café não é mais transportado por eles e quem lidera a carga ferroviária brasileira é o minério (mais de 70% da carga nacional), seguido do transporte de grãos em geral.
Enquanto a carga podia subsidiar os trens de passageiros, eles existiram. E eram estes últimos que, embora fossem uma parte ínfima do lucro das ferrovias (quando não davam prejuízo individualmente) que eram os melhores “garotos-propaganda” das ferrovias: afinal, era-lhes dado um transporte rápido, relativamente barato e decente que, antes do advento das ferrovias no Brasil – a primeira é de 1854 –, não existia efetivamente. Por que negar-lhes esta dádiva?
Aos poucos, no entanto, os trens passaram a ter fortíssima concorrência de outros modais, principalmente o rodoviário, e a perder os favores de financiamento do Governo, e com isso foram sendo abandonados pelas empresas ferroviárias. Da Segunda Guerra Mundial para a frente, quando as ferrovias foram exauridas pela falta de transporte de cabotagem no País por causa dos submarinos alemães que às vezes apareciam em nossa costa, o transporte de passageiros foi sendo largado. A classe média, mais exigente, foi aos poucos largando de andar de trem, e eles foram piorando, as estações se deteriorando. No início dos anos 1980, só andava de trem quem era aventureiro. Nos anos 1990, somente quem era fanático ou mendigo. E, em 14 de março de 2001, quando os dois últimos trens de passageiros rodaram no Estado (São José do Rio Preto a Itirapina e Bauru a Campinas), o trem de passageiros já era uma pálida e ridícula imagem do que havia sido no passado, quando trens com 12 carros ou mais andavam pelo interior afora.
Sempre é bom lembrar que, em 1961, quando Carvalho Pinto desapropriou à força a Companhia Paulista, o discurso foi (está lá, no relatório anual da ferrovia) que “era preciso preservar-se a função social da ferrovia, pois esta, em mãos de particulares (a Paulista foi a última ferrovia privada do País), não tem condição hoje em dia de arcar com seus altos custos”. A “função social” nas mãos do Governo teve como providências fechar todos os ramais de passageiros da empresa nos dez anos seguintes, acabando com seus trens de passageiros.
Foram os trens de 2001 também os dois últimos trens de passageiros de longa distancia a rodar no Brasil. Excluem-se desta afirmação os três trens de passageiros que seguem rodando (o Vitória-Minas, o trem de Carajás e o trem do Amapá), os trens metropolitanos das cidades e os trens turísticos diários (Curitiba-Paranaguá e Pindamonhangaba-Campos do Jordão).
Quem mora em São Paulo vê todos os dias trens de passageiros. São os trens da CPTM, que herdou e (graças a Deus) melhorou (muito) os antigos trens de subúrbio da Sorocabana, Santos-Jundiaí e Central do Brasil há cerca de 15 anos. Vê também os trens do metrô, que teima em chamar de metrô e dizer que não é trem, mas é, sim. Tanto que a imprensa usa o nome “os trens do metrô” e “os trens da CPTM”. São empresas diferentes, embora ambas pertençam ao Governo do Estado. Aliás, está mais do que na cara que, quando a Prefeitura de São Paulo criou o metrô (depois o Governo Estadual encampou) nos anos 1960, forçou este nome por causa do descalabro das linhas suburbanas que então eram operadas pelas empresas citadas acima. Se chamasse de “trem”, ninguém ia usar, dado o preconceito existente contra os trens de subúrbio de tão ruins que eram. Preconceito que segue existindo até hoje, embora os trens metropolitanos da CPTM de hoje sejam infinitamente superiores em termos de operação, horário e limpeza. Quem critica hoje a CPTM não tem ideia ou não se lembra realmente de como funcionavam estas linhas até a primeira metade dos anos 1990.
Porém, os trens de longo percurso — aqueles em que se tinha de viajar sentado, em carros de primeira e de segunda classe, saindo da Luz ou da Júlio Prestes para o interior do Estado e até (pasmem, leitores de hoje!) para outros estados longínquos como o Mato Grosso, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (e, pasmem mais ainda, até outros!) —, estes não existem mais.
O curioso é que, em palestras que faço no Instituto Histórico e Geográfico e em faculdades, e mesmo em conversa com pessoas que não têm o mesmo interesse que eu tenho na história ferroviária do País, há sempre uma imensa surpresa quando cito que “os trens não foram implantados para servir aos passageiros, e sim para transportar cargas”. E faz sentido esse raciocínio, quando lembramos que o que o trem representava para os seus usuários era exatamente o transporte deles próprios – os trens cargueiros estavam sempre escondidos lá no cantinho e quando passavam pelas cidades pouca gente notava.
Pois é, era isso mesmo. Quem trazia o lucro para as empresas sempre foram as mercadorias. No Brasil, mais especificamente, em grande parte do País, o café e o açúcar. Claro que havia outras cargas: gado, algodão, grãos em geral. Aos poucos os minérios e os derivados de petróleo foram desbancando o café. Hoje em dia o café não é mais transportado por eles e quem lidera a carga ferroviária brasileira é o minério (mais de 70% da carga nacional), seguido do transporte de grãos em geral.
Enquanto a carga podia subsidiar os trens de passageiros, eles existiram. E eram estes últimos que, embora fossem uma parte ínfima do lucro das ferrovias (quando não davam prejuízo individualmente) que eram os melhores “garotos-propaganda” das ferrovias: afinal, era-lhes dado um transporte rápido, relativamente barato e decente que, antes do advento das ferrovias no Brasil – a primeira é de 1854 –, não existia efetivamente. Por que negar-lhes esta dádiva?
Aos poucos, no entanto, os trens passaram a ter fortíssima concorrência de outros modais, principalmente o rodoviário, e a perder os favores de financiamento do Governo, e com isso foram sendo abandonados pelas empresas ferroviárias. Da Segunda Guerra Mundial para a frente, quando as ferrovias foram exauridas pela falta de transporte de cabotagem no País por causa dos submarinos alemães que às vezes apareciam em nossa costa, o transporte de passageiros foi sendo largado. A classe média, mais exigente, foi aos poucos largando de andar de trem, e eles foram piorando, as estações se deteriorando. No início dos anos 1980, só andava de trem quem era aventureiro. Nos anos 1990, somente quem era fanático ou mendigo. E, em 14 de março de 2001, quando os dois últimos trens de passageiros rodaram no Estado (São José do Rio Preto a Itirapina e Bauru a Campinas), o trem de passageiros já era uma pálida e ridícula imagem do que havia sido no passado, quando trens com 12 carros ou mais andavam pelo interior afora.
Sempre é bom lembrar que, em 1961, quando Carvalho Pinto desapropriou à força a Companhia Paulista, o discurso foi (está lá, no relatório anual da ferrovia) que “era preciso preservar-se a função social da ferrovia, pois esta, em mãos de particulares (a Paulista foi a última ferrovia privada do País), não tem condição hoje em dia de arcar com seus altos custos”. A “função social” nas mãos do Governo teve como providências fechar todos os ramais de passageiros da empresa nos dez anos seguintes, acabando com seus trens de passageiros.
Foram os trens de 2001 também os dois últimos trens de passageiros de longa distancia a rodar no Brasil. Excluem-se desta afirmação os três trens de passageiros que seguem rodando (o Vitória-Minas, o trem de Carajás e o trem do Amapá), os trens metropolitanos das cidades e os trens turísticos diários (Curitiba-Paranaguá e Pindamonhangaba-Campos do Jordão).
sexta-feira, 15 de maio de 2009
OS TRILHOS DO MAL
Hoje recebi fotografias da estação de Anápolis, em Goiás. São fotos antigas, quando o prédio ainda funcionava e não estava escondido atrás de um terminal de ônibus. A desativação da linha e da estação se deu no final dos anos 1970. Era ponta de ramal – que, na verdade, deveria ser estendido até outros pontos do Estado, fato que jamais ocorreu – e, ramal curto, tornou-se rapidamente deficitário e foi extinto. Não durou muito: foi entregue nos anos 1930 e já era sucata em 1980.
Uma das fotografias (acima) mostra um dia de festa, onde o Prefeito da época (provavelmente no início dos anos 1980) comemorava com a população o dia do início da retirada dos trilhos da cidade. Ou seja: a população perdia um meio de transporte, teria que andar de ônibus, mais caros, em estradas de péssima qualidade e estava aderindo aos festejos. Explicações para tamanho descalabro? Posso imaginar duas: o serviço dos trens de passageiros para Anápolis já estava tão ruim que a população não se importava em perdê-lo (não é tão provável), ou ela não concordava com o fim dos trens, mas, como havia festa, resolveram aproveitá-la (mais provável). Autoridades com mentalidade tacanha como essas existiram diversas no Brasil. Em vez de trabalhar para convencer a ferrovia a melhorar os trens e com isso dar uma opção para os habitantes da cidade, de forma a não ficarem presos a um tipo de transporte somente – os ônibus – eles simplesmente chutam o trem e fazem com que as pessoas tenham apenas a opção de comprar um automóvel ou ser transportados pelos ônibus. E a população não reage.
Houve outra festa desse tipo em Jacareí, em 2004. A retirada dos trilhos da cidade foi também comemorada com festas. A diferença aqui era que o trem de passageiros já não passava pela cidade havia mais de vinte anos. Os cargueiros já não existiam havia pelo menos nove anos. Os trilhos eram um enfeite apenas. Retiraram os trilhos para fazer uma avenida. Outra vez, não pensaram em colocar trens ou VLTs de volta para dar uma outra alternativa aos habitantes da cidade. Construíram a avenida. Infelizmente, avenidas já são de há muito fator de deterioração de cidades, ao contrario do que eram há cerca de 60 anos. Hoje em dia, as avenidas são locais de adensamento de tráfego urbano e de poluição sonora e ambiental. As construções nas avenidas raramente são de casas residenciais, mas sim de lojas e oficinas, enfeiando mais ainda o local.
Por outro lado, a passagem de um trem ou de um VLT (os bondes modernos), além de propiciarem transporte ao povo, ainda podem ser ajardinados em suas margens. Não há necessidade de desapropriações, pois o leito da linha já está lá. Enfim, passaram-se 20 anos entre os eventos em Anápolis e Jacareí e a atitude dos prefeitos e da população não se alterou. Aliás, em Jacareí, o prefeito fez questão de arrancar o primeiro cravo de ferro que segurava os trilhos no leito e guardar no museu, para comemorar este belo dia. O futuro o julgará.
Atualmente em Araraquara estão também pensando em tirar os trilhos quando completarem o contorno da cidade – o que não deve ocorrer tão cedo, embora as obras estejam em andamento. Se os retirarem, mais um erro terá sido feito pelo mesmo motivo dos casos citados acima. Também retiraram recentemente em Barretos. No fim dos anos 1990, retiraram os trilhos em Porto Ferreira, Pirassununga, Descalvado, Leme e, mais recentemente, em Araras. O ramal já estava desativado desde o final dos anos 1980, mas VLT, nem pensar. E não foi por falta de alguns iluminados que alertaram as prefeituras na época.
Paradoxalmente, nunca se falou tanto hoje de VLTs no Brasil. Parece que tem trilhos não os quer; e quem não tem quer ter trens de volta. Vá entender.
Uma das fotografias (acima) mostra um dia de festa, onde o Prefeito da época (provavelmente no início dos anos 1980) comemorava com a população o dia do início da retirada dos trilhos da cidade. Ou seja: a população perdia um meio de transporte, teria que andar de ônibus, mais caros, em estradas de péssima qualidade e estava aderindo aos festejos. Explicações para tamanho descalabro? Posso imaginar duas: o serviço dos trens de passageiros para Anápolis já estava tão ruim que a população não se importava em perdê-lo (não é tão provável), ou ela não concordava com o fim dos trens, mas, como havia festa, resolveram aproveitá-la (mais provável). Autoridades com mentalidade tacanha como essas existiram diversas no Brasil. Em vez de trabalhar para convencer a ferrovia a melhorar os trens e com isso dar uma opção para os habitantes da cidade, de forma a não ficarem presos a um tipo de transporte somente – os ônibus – eles simplesmente chutam o trem e fazem com que as pessoas tenham apenas a opção de comprar um automóvel ou ser transportados pelos ônibus. E a população não reage.
Houve outra festa desse tipo em Jacareí, em 2004. A retirada dos trilhos da cidade foi também comemorada com festas. A diferença aqui era que o trem de passageiros já não passava pela cidade havia mais de vinte anos. Os cargueiros já não existiam havia pelo menos nove anos. Os trilhos eram um enfeite apenas. Retiraram os trilhos para fazer uma avenida. Outra vez, não pensaram em colocar trens ou VLTs de volta para dar uma outra alternativa aos habitantes da cidade. Construíram a avenida. Infelizmente, avenidas já são de há muito fator de deterioração de cidades, ao contrario do que eram há cerca de 60 anos. Hoje em dia, as avenidas são locais de adensamento de tráfego urbano e de poluição sonora e ambiental. As construções nas avenidas raramente são de casas residenciais, mas sim de lojas e oficinas, enfeiando mais ainda o local.
Por outro lado, a passagem de um trem ou de um VLT (os bondes modernos), além de propiciarem transporte ao povo, ainda podem ser ajardinados em suas margens. Não há necessidade de desapropriações, pois o leito da linha já está lá. Enfim, passaram-se 20 anos entre os eventos em Anápolis e Jacareí e a atitude dos prefeitos e da população não se alterou. Aliás, em Jacareí, o prefeito fez questão de arrancar o primeiro cravo de ferro que segurava os trilhos no leito e guardar no museu, para comemorar este belo dia. O futuro o julgará.
Atualmente em Araraquara estão também pensando em tirar os trilhos quando completarem o contorno da cidade – o que não deve ocorrer tão cedo, embora as obras estejam em andamento. Se os retirarem, mais um erro terá sido feito pelo mesmo motivo dos casos citados acima. Também retiraram recentemente em Barretos. No fim dos anos 1990, retiraram os trilhos em Porto Ferreira, Pirassununga, Descalvado, Leme e, mais recentemente, em Araras. O ramal já estava desativado desde o final dos anos 1980, mas VLT, nem pensar. E não foi por falta de alguns iluminados que alertaram as prefeituras na época.
Paradoxalmente, nunca se falou tanto hoje de VLTs no Brasil. Parece que tem trilhos não os quer; e quem não tem quer ter trens de volta. Vá entender.
quinta-feira, 14 de maio de 2009
REPRESENTANTES DO POVO
Leio todos os dias a seção de cartas do jornal O Estado de S. Paulo. Na verdade, nem sei por quê. Parece que sou masoquista ou tenho tendências ao autoflagelamento. Ainda não cheguei a tal ponto, mas eu me pergunto todos os dias: quem é que perde tempo escrevendo tudo o que escreve para os jornais? Quem são essas pessoas? De vez em quando vejo algum nome conhecido. E noto também que há diversas pessoas que escrevem que o fazem constantemente.
Na enorme maioria das vezes eu concordo com suas reclamações ou desabafos. A maioria das cartas vai contra a Câmara ou o Senado. Algumas contra a Presidência da Republica. Como o jornal é de São Paulo, muitas falam da Prefeitura. Não há quase cartas contra a Assembleia Estadual ou as Câmaras de Vereadores. O caso destas duas últimas se explica: elas não trabalham em geral, especialmente a da Capital. Vereadores da Capital somente são conhecidos para quem vota neles, pois eles não trabalham. Deputados estaduais também não fazem nada – raramente se vê alguma notícia, sendo que o motivo é: o que eles fazem, além de apoiar o Governo do Estado?
Juntemos as coisas. Claramente os escritores das cartas estão contra os deputados federais e os senadores, por causa das atitudes por eles tomadas, seja pela elaboração de leis imorais e inconstitucionais, quanto pelo constante envolvimento em escândalos. Claro, sabemos disso pela imprensa falada e escrita, mas, pela quantidade de acusações e provas, parece que o risco de a imprensa estar errada é muito pequeno. Há também gente que diz que representa o povo, mas diz que “se lixa” para a opinião pública; e há um presidente que diz que a crise é culpa de gente loira de olhos azuis – racismo puro, mas que vai ficar por isso mesmo.
Até na época dos malfadados (para alguns) governos militares a opinião pública tinha alguma influência nas decisões do governo: estourava algum escândalo nos jornais e raramente alguma coisa não era feita para resolver o problema, mesmo que fosse alguma atitude inócua ou paliativa. De FHC para cá, parece que as notícias de primeira página dos jornais denunciando todos os tipos de escândalos e rapinagens feitas por “homens públicos” não dão em nada – o governo não se manifesta, e quando o faz é para defender os pobres infelizes que praticaram somente “deslizes”.
É por isso que considero o sofrimento de quem escreve para os jornais: eles estão certos, pedem providências, mas absolutamente nada acontece. Parece que suas cartas são como palavras ao vento, que se ouve nos primeiros segundos e logo a seguir desaparecem no éter. Não os censuro – mas temo pela sua saúde. Eles mostram o que está errado e absurdo, mas não são ouvidos. Se não são ouvidos (ou lidos e não ouvidos), de que adianta escrever?
E tome leis como a cota racial, que claramente vai contra o conceito de que “todos os brasileiros são iguais perante a lei”. Tome calote de precatórios – ou seja, não basta o aborrecimento de se perder anos lutando por um direito seu que o governo não cumpriu; quando você ganha, não leva, e agora a lei confirma que você não levará mesmo. Ou seja: eu posso dever para o governo, que serei cobrado e executado, mas o contrário não é válido.
Todos são mesmo iguais perante a lei? Onde? No Brasil não é, mesmo que a Carta Magna diga isto. E agora querem aprovar o aumento do número de vereadores nas Câmaras Municipais. Para quê? Por acaso esses senhores eleitos como vereadores representam o povo? Infelizmente, a maioria representa apenas a si próprios, suas famílias e seus amigos, e, ainda por cima, pouco fazem no sentido de representar o povo que os elegeu. Seria melhor se as Câmaras e Assembleias não existissem. Não servem, mesmo, para nada. E não consigo pensar em exceções em termos de instituições: elas existem apenas como um ou outro deputado ou vereador que conheço.
Na enorme maioria das vezes eu concordo com suas reclamações ou desabafos. A maioria das cartas vai contra a Câmara ou o Senado. Algumas contra a Presidência da Republica. Como o jornal é de São Paulo, muitas falam da Prefeitura. Não há quase cartas contra a Assembleia Estadual ou as Câmaras de Vereadores. O caso destas duas últimas se explica: elas não trabalham em geral, especialmente a da Capital. Vereadores da Capital somente são conhecidos para quem vota neles, pois eles não trabalham. Deputados estaduais também não fazem nada – raramente se vê alguma notícia, sendo que o motivo é: o que eles fazem, além de apoiar o Governo do Estado?
Juntemos as coisas. Claramente os escritores das cartas estão contra os deputados federais e os senadores, por causa das atitudes por eles tomadas, seja pela elaboração de leis imorais e inconstitucionais, quanto pelo constante envolvimento em escândalos. Claro, sabemos disso pela imprensa falada e escrita, mas, pela quantidade de acusações e provas, parece que o risco de a imprensa estar errada é muito pequeno. Há também gente que diz que representa o povo, mas diz que “se lixa” para a opinião pública; e há um presidente que diz que a crise é culpa de gente loira de olhos azuis – racismo puro, mas que vai ficar por isso mesmo.
Até na época dos malfadados (para alguns) governos militares a opinião pública tinha alguma influência nas decisões do governo: estourava algum escândalo nos jornais e raramente alguma coisa não era feita para resolver o problema, mesmo que fosse alguma atitude inócua ou paliativa. De FHC para cá, parece que as notícias de primeira página dos jornais denunciando todos os tipos de escândalos e rapinagens feitas por “homens públicos” não dão em nada – o governo não se manifesta, e quando o faz é para defender os pobres infelizes que praticaram somente “deslizes”.
É por isso que considero o sofrimento de quem escreve para os jornais: eles estão certos, pedem providências, mas absolutamente nada acontece. Parece que suas cartas são como palavras ao vento, que se ouve nos primeiros segundos e logo a seguir desaparecem no éter. Não os censuro – mas temo pela sua saúde. Eles mostram o que está errado e absurdo, mas não são ouvidos. Se não são ouvidos (ou lidos e não ouvidos), de que adianta escrever?
E tome leis como a cota racial, que claramente vai contra o conceito de que “todos os brasileiros são iguais perante a lei”. Tome calote de precatórios – ou seja, não basta o aborrecimento de se perder anos lutando por um direito seu que o governo não cumpriu; quando você ganha, não leva, e agora a lei confirma que você não levará mesmo. Ou seja: eu posso dever para o governo, que serei cobrado e executado, mas o contrário não é válido.
Todos são mesmo iguais perante a lei? Onde? No Brasil não é, mesmo que a Carta Magna diga isto. E agora querem aprovar o aumento do número de vereadores nas Câmaras Municipais. Para quê? Por acaso esses senhores eleitos como vereadores representam o povo? Infelizmente, a maioria representa apenas a si próprios, suas famílias e seus amigos, e, ainda por cima, pouco fazem no sentido de representar o povo que os elegeu. Seria melhor se as Câmaras e Assembleias não existissem. Não servem, mesmo, para nada. E não consigo pensar em exceções em termos de instituições: elas existem apenas como um ou outro deputado ou vereador que conheço.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
JEAN VILLIN
Jean Villin era francês. Jamais perguntei a ninguém da família quando ele chegou ao Brasil e a Porto Ferreira, mas ele já deveria estar na cidade no inicio dos anos 1920, época em que se casou com Nalsira, filha de um português que era dono do hotel em frente à estação ferroviária da cidade.
Nalsira era professora e irmã da esposa de um tio-avô meu, Urbano, este irmão de minha avó materna. Chamávamo-la de tia Nalzira, mesmo não sendo nossa tia. Nessa época, era uma grande honra ser chamada de tia ou tio por quem não era sobrinho. Era uma deferência a alguém de quem se gostava muito. Se não fosse o caso, era seria “Dona Nalzira”, mesmo.
Tiveram três filhas. Vieram para São Paulo e moraram por um bom tempo em frente à casa de Sud e de Maria, meus avós, na rua Capitão Cavalcanti, na Vila Mariana. Assim como Nalzira, professora primária, era tia, Jean era o tio Jean – tio Jan, como se pronunciava. Tio Jean era pintor, desenhista... artista plástico, como se chama hoje. Tenho alguns quadros dele. Ele desenhou nos primeiros livros infantis de Monteiro Lobato. São dele os desenhos do marco zero da Praça da Sé (alguém já viu?).
Em São Paulo, sempre os encontrava na casa de minha avó. Às vezes iam em casa. Lembro-me de ter ido ao casamento de sua filha mais nova em São Paulo. Quando podiam, iam para o Porto, onde tio Jean encontrava meus pais e tios para andar de barquinho no rio Mogi-Guaçu e pescar (a foto acima foi tirada por volta de 1950 e mostra tio Jean no rio Mogi em Porto Ferreira).
Nos anos 1960 tio Jean e tia Nalzira – que aqui em São Paulo havia me dado aulas particulares em casa – mudaram-se de volta para “o Porto” – Porto Ferreira. Por volta de 1970, fui umas três ou quatro vezes à cidade, e sempre me encontrava com tio Jean, que saía pela cidade com sua lambreta – é, lambreta. E eu. Várias vezes, na garupa. Eu tinha 18, 19 anos naquela época.
Aí foi um longo tempo ser vê-los, até que, em 1978, eu e Ana Maria fomos a Ribeirão Preto. No caminho, decidimos, sem avisar, parar no Porto e visita-los. Lá estavam eles, com todos os filhos – era uma festa. Entramos de carona. Jamais fomos tão bem tratados. Tio Jean com suas gargalhadas repetia sempre: “como van as creonças?”, com seu inconfundível sotaque francês. Tia Nalzira servindo uma comida deliciosa feita ainda em fogão a lenha. Uma beleza.
Morreram, infelizmente, poucos anos depois. Ô gente boa. Gente não tão fácil de se encontrar na vida.
Nalsira era professora e irmã da esposa de um tio-avô meu, Urbano, este irmão de minha avó materna. Chamávamo-la de tia Nalzira, mesmo não sendo nossa tia. Nessa época, era uma grande honra ser chamada de tia ou tio por quem não era sobrinho. Era uma deferência a alguém de quem se gostava muito. Se não fosse o caso, era seria “Dona Nalzira”, mesmo.
Tiveram três filhas. Vieram para São Paulo e moraram por um bom tempo em frente à casa de Sud e de Maria, meus avós, na rua Capitão Cavalcanti, na Vila Mariana. Assim como Nalzira, professora primária, era tia, Jean era o tio Jean – tio Jan, como se pronunciava. Tio Jean era pintor, desenhista... artista plástico, como se chama hoje. Tenho alguns quadros dele. Ele desenhou nos primeiros livros infantis de Monteiro Lobato. São dele os desenhos do marco zero da Praça da Sé (alguém já viu?).
Em São Paulo, sempre os encontrava na casa de minha avó. Às vezes iam em casa. Lembro-me de ter ido ao casamento de sua filha mais nova em São Paulo. Quando podiam, iam para o Porto, onde tio Jean encontrava meus pais e tios para andar de barquinho no rio Mogi-Guaçu e pescar (a foto acima foi tirada por volta de 1950 e mostra tio Jean no rio Mogi em Porto Ferreira).
Nos anos 1960 tio Jean e tia Nalzira – que aqui em São Paulo havia me dado aulas particulares em casa – mudaram-se de volta para “o Porto” – Porto Ferreira. Por volta de 1970, fui umas três ou quatro vezes à cidade, e sempre me encontrava com tio Jean, que saía pela cidade com sua lambreta – é, lambreta. E eu. Várias vezes, na garupa. Eu tinha 18, 19 anos naquela época.
Aí foi um longo tempo ser vê-los, até que, em 1978, eu e Ana Maria fomos a Ribeirão Preto. No caminho, decidimos, sem avisar, parar no Porto e visita-los. Lá estavam eles, com todos os filhos – era uma festa. Entramos de carona. Jamais fomos tão bem tratados. Tio Jean com suas gargalhadas repetia sempre: “como van as creonças?”, com seu inconfundível sotaque francês. Tia Nalzira servindo uma comida deliciosa feita ainda em fogão a lenha. Uma beleza.
Morreram, infelizmente, poucos anos depois. Ô gente boa. Gente não tão fácil de se encontrar na vida.
terça-feira, 12 de maio de 2009
BROTAS 2008
A data é 1º de janeiro de 2008. Eu e Ana Maria passamos o Ano Novo na sede da Fazenda Caiman, em Brotas. Ela fica muito próxima à estrada que liga Itirapina a Jaú, recém-alargada e com um pedágio bem próximo à entrada da fazenda, numa pequena rampa no sentido de Dois Córregos e Jaú. Estava muito quente. Do sofá da sala com frente ao campo, escrevia eu no início da tarde.
“Está muito quente hoje. Não tanto quanto nos três últimos dias, mas ainda passa dos 30 graus. O vento às vezes é quente, às vezes fresco. Lá fora, a varanda de piso de tijolos de cerâmica, cobertura de telhas com o madeiramento branco aparente. As colunas que o sustentam são cor de tijolo. São quadradas, mas eram originalmente redondas. Com o peso da cobertura, há alguns anos afundaram e tiveram de ser engrossadas. A varanda costeia a fachada da casa e parte das laterais. A casa, construída nos anos 1960, tem pouco mais de quarenta anos, mas ainda lembra as casas antigas de fazenda: quatro quartos dão portas para o fundo da sala comprida. A cozinha, no canto direito, também tem saída para a varanda.
A vista da varanda, para qualquer lugar que se olhe, é maravilhosa. Para as laterais, o pomar e a fieira de árvores na entrada onde está o portão. Para a frente, o pequeno vale de um pequeno córrego. São dois riachos, na verdade, que se juntam antes de desaguar no Jacaré-Pepira, depois de passar sob o asfalto. Vêem-se, muito próximas, duas casas e três cobertos. Uma das casas é do caseiro, o Manoel. Entre elas, uma árvore floresce com flores vermelhas alaranjadas. Do outro lado do vale, o morro alto e próximo. Na fralda, o canavial dos Tavolaros. No alto, mais íngreme, a mata fria, linda, cheia de macacos, veados e até raras onças. É o esconderijo das maritacas, sabiás e bem-te-vis. Algumas árvores estão florindo em amarelo. Mais à direita, ao fundo, nem mais longe, um morro em forma de mesa. E mais ao fundo, mais à direita, um morro com um pico, como um monte de açúcar despejado de um mesmo ponto sobre uma mesa.
Do lado de cá, o jardim da casa, com duas canelas-de-frango e diversos arbustos junto ao pé da varanda. Um antúrio enorme cresce enrolado numa das “canelas”. Maritacas voam, fazendo um verdadeiro escândalo, de uma árvore para outra. O silêncio nos deixa ouvir, mas não ver, o pica-pau martelando alguma árvore. Raras macaúbas assistem a tudo, retas e robustas. Há alguns anos uma delas morreu, atingida por um raio. Isoladas, são um bom alvo.
Ontem à noite, escura como breu, somente se via até um certo horário a janela com a luz acesa do caseiro e as luzes do pedágio da rodovia. Atrás do grande morro, às vezes víamos a luz intensa de um relâmpago, mas, a partir da meia-noite, já se enxergava a luminosidade de fogos espocados no sentido de Jaú, atrás da grande montanha à frente, ou de Dourado e Ribeirão Bonito, mais à direita. Uma fraca luminosidade vinda dessas cidades permitem-nos ver o contorno do morro. Não havia estrelas ontem, embora fosse noite de lua minguante. Muitas nuvens fechavam o tempo.
O progresso somente se faz notar no ruído ao longe dos carros, que, a este dia e hora, não são muitos na SP-225, seguindo de Itirapina para Jaú, ou ao contrário. O som do rio, apesar dos Três Saltos, não se faz ouvir, mas é possível, descendo no vale à noite, ouvir o correr das águas dos pequeninos córregos. As vacas pastam aqui e ali. Começa a chover. São quase três horas. O cheiro de grama e mato molhado se faz notar quase instantaneamente. Inúmeros mosquitos, mutucas e abelhas parecem desaparecer com o tempo mais úmido”.
“Está muito quente hoje. Não tanto quanto nos três últimos dias, mas ainda passa dos 30 graus. O vento às vezes é quente, às vezes fresco. Lá fora, a varanda de piso de tijolos de cerâmica, cobertura de telhas com o madeiramento branco aparente. As colunas que o sustentam são cor de tijolo. São quadradas, mas eram originalmente redondas. Com o peso da cobertura, há alguns anos afundaram e tiveram de ser engrossadas. A varanda costeia a fachada da casa e parte das laterais. A casa, construída nos anos 1960, tem pouco mais de quarenta anos, mas ainda lembra as casas antigas de fazenda: quatro quartos dão portas para o fundo da sala comprida. A cozinha, no canto direito, também tem saída para a varanda.
A vista da varanda, para qualquer lugar que se olhe, é maravilhosa. Para as laterais, o pomar e a fieira de árvores na entrada onde está o portão. Para a frente, o pequeno vale de um pequeno córrego. São dois riachos, na verdade, que se juntam antes de desaguar no Jacaré-Pepira, depois de passar sob o asfalto. Vêem-se, muito próximas, duas casas e três cobertos. Uma das casas é do caseiro, o Manoel. Entre elas, uma árvore floresce com flores vermelhas alaranjadas. Do outro lado do vale, o morro alto e próximo. Na fralda, o canavial dos Tavolaros. No alto, mais íngreme, a mata fria, linda, cheia de macacos, veados e até raras onças. É o esconderijo das maritacas, sabiás e bem-te-vis. Algumas árvores estão florindo em amarelo. Mais à direita, ao fundo, nem mais longe, um morro em forma de mesa. E mais ao fundo, mais à direita, um morro com um pico, como um monte de açúcar despejado de um mesmo ponto sobre uma mesa.
Do lado de cá, o jardim da casa, com duas canelas-de-frango e diversos arbustos junto ao pé da varanda. Um antúrio enorme cresce enrolado numa das “canelas”. Maritacas voam, fazendo um verdadeiro escândalo, de uma árvore para outra. O silêncio nos deixa ouvir, mas não ver, o pica-pau martelando alguma árvore. Raras macaúbas assistem a tudo, retas e robustas. Há alguns anos uma delas morreu, atingida por um raio. Isoladas, são um bom alvo.
Ontem à noite, escura como breu, somente se via até um certo horário a janela com a luz acesa do caseiro e as luzes do pedágio da rodovia. Atrás do grande morro, às vezes víamos a luz intensa de um relâmpago, mas, a partir da meia-noite, já se enxergava a luminosidade de fogos espocados no sentido de Jaú, atrás da grande montanha à frente, ou de Dourado e Ribeirão Bonito, mais à direita. Uma fraca luminosidade vinda dessas cidades permitem-nos ver o contorno do morro. Não havia estrelas ontem, embora fosse noite de lua minguante. Muitas nuvens fechavam o tempo.
O progresso somente se faz notar no ruído ao longe dos carros, que, a este dia e hora, não são muitos na SP-225, seguindo de Itirapina para Jaú, ou ao contrário. O som do rio, apesar dos Três Saltos, não se faz ouvir, mas é possível, descendo no vale à noite, ouvir o correr das águas dos pequeninos córregos. As vacas pastam aqui e ali. Começa a chover. São quase três horas. O cheiro de grama e mato molhado se faz notar quase instantaneamente. Inúmeros mosquitos, mutucas e abelhas parecem desaparecer com o tempo mais úmido”.
segunda-feira, 11 de maio de 2009
MENINOS, EU VI!...
Meninos, eu vi muita coisa sendo feita durante a minha vida. E nem sou um sujeito tão viajado assim. Nasci e vivi praticamente toda a minha vida em São Paulo, Capital – considerando que vivo há 27 anos em Santana de Parnaíba, que fica na chamada área metropolitana, e com isso, vou quase todos os dias para São Paulo.
Eu vi, eu me lembro de ter andado na rua da Consolação estreita e com bondes. Eu vi bondes andando pela cidade toda e seus trilhos serem arrancados. Vi a construção do metrô Santana-Jabaquara na primeira metade dos anos 1970, feito ainda sem o tatuzão em quase toda a extensão, onde ele abriu buracos imensos que depois foram tapados por lajes de concreto em avenidas como a Liberdade, Vergueiro, Domingos de Morais, Jabaquara, Cruzeiro do Sul, da Luz – depois Prestes Maia – e Tiradentes. Eu vi a rua da Consolação sendo alargada com interrupções diárias de tráfego de um lado e de outro. Eu tomava ônibus todos os dias (os bondes haviam acabado em 1966 com o inicio das obras) para voltar para casa e andava sobre escombros para chegar a ele – que mudava todos os dias de lugar. Eram cenas de guerra.
Vi também a avenida Sumaré ser construída em cima de um córrego que em alguns pontos tinha uma pequena faixa de terra transitável e em outros, um completo matagal onde não passava nada – este trecho sendo entre as ruas João Ramalho e Turiassu. Depois, resolveram, nos anos 1970, unir a avenida Sumaré à avenida Brasil e demoliram dezenas de casas entre a avenida Brasil para alargar a Henrique Schaumann e a rua Cardeal Arcoverde. Daí, para construir a avenida Paulo VI, demoliram mais casas entre esse ponto e a rua Pombal. Foi cavar uma rua largérrima no meio de um morro e das casas que ali existiam.
Eu vi demolirem o pontilhão dos bondes de Santo Amaro em frente ao Detran para fazerem a avenida Pedro Álvares Cabral se ligar com a Rubem Berta. Eu vi a Rubem Berta ser aberta, como continuação da avenida 23 de Maio, nome que deram quando começavam a escavar a avenida Itororó em cima do córrego desse nome (dizem que foi daí que vem a velhíssima música "Eu fui no Tororó, beber água não achei"... mas dizem isso de outros Tororós Brasil afora também...). Eu ouvia o bate-estacas bater a manhã inteira na Praça Roosevelt de dentro da minha sala de aula no Colégio Porto Seguro para construírem aquela praça de concreto horrorosa que sobrevive até hoje. Alguém se lembra de como ela era antes? Até 1966, era um amplo campo asfaltado com uma enorme feira livre às quartas e sábados. Era feia, ficou pior.
Durante dez anos, de 1966 a 1975, a cidade foi um campo de batalha. Desvios de trânsito para todos os lados. Era muito difícil dirigir, havia congestionamentos que em nada perdiam para os congestionamentos diários de hoje numa cidade que tinha muito, mas muito menos carros, ônibus e caminhões do que hoje.
São Paulo começou a perder sua poesia nessa época. Até aí, a cidade ainda mantinha basicamente a mesma forma das ruas e praças de 30 anosa trás, com poucas exceções. Havia ainda muitas casas, poucos prédios: no Centro, em Higienópolis e nos Jardins; fora isso, não havia muitos. É verdade que já haviam assassinado o Anhangabaú, com a demolição do Palacete Prates em 1953 e mais tarde (1972) do prédio da Câmara. Já o Clube Comercial não sei quando foi para o chão, mas foi, creio, entre essas duas datas. Três prédios grandes e horrendos foram construídos em seu lugar. Do outro lado do parque, a construção de um Zarzur e Kogan ao lado do prédio do Hotel Esplanada (hoje sede da Votorantim, mas está lá) já afogava a avenida de vez. O prédio do Mappin não ajudava, mas já estava lá desde 1939, embora tenha se convertido em um marco da cidade.
É muita coisa. Não dá para escrever tudo aqui. A foto é de 1972, tirada por mim. O buraco do metrô na rua Vergueiro já havia sido tapado na esquina da rua Joaquim Távora. A rua Vergueiro até então era o que se vê à esquerda. As casas do lado direito foram todas derrubadas.
Eu vi, eu me lembro de ter andado na rua da Consolação estreita e com bondes. Eu vi bondes andando pela cidade toda e seus trilhos serem arrancados. Vi a construção do metrô Santana-Jabaquara na primeira metade dos anos 1970, feito ainda sem o tatuzão em quase toda a extensão, onde ele abriu buracos imensos que depois foram tapados por lajes de concreto em avenidas como a Liberdade, Vergueiro, Domingos de Morais, Jabaquara, Cruzeiro do Sul, da Luz – depois Prestes Maia – e Tiradentes. Eu vi a rua da Consolação sendo alargada com interrupções diárias de tráfego de um lado e de outro. Eu tomava ônibus todos os dias (os bondes haviam acabado em 1966 com o inicio das obras) para voltar para casa e andava sobre escombros para chegar a ele – que mudava todos os dias de lugar. Eram cenas de guerra.
Vi também a avenida Sumaré ser construída em cima de um córrego que em alguns pontos tinha uma pequena faixa de terra transitável e em outros, um completo matagal onde não passava nada – este trecho sendo entre as ruas João Ramalho e Turiassu. Depois, resolveram, nos anos 1970, unir a avenida Sumaré à avenida Brasil e demoliram dezenas de casas entre a avenida Brasil para alargar a Henrique Schaumann e a rua Cardeal Arcoverde. Daí, para construir a avenida Paulo VI, demoliram mais casas entre esse ponto e a rua Pombal. Foi cavar uma rua largérrima no meio de um morro e das casas que ali existiam.
Eu vi demolirem o pontilhão dos bondes de Santo Amaro em frente ao Detran para fazerem a avenida Pedro Álvares Cabral se ligar com a Rubem Berta. Eu vi a Rubem Berta ser aberta, como continuação da avenida 23 de Maio, nome que deram quando começavam a escavar a avenida Itororó em cima do córrego desse nome (dizem que foi daí que vem a velhíssima música "Eu fui no Tororó, beber água não achei"... mas dizem isso de outros Tororós Brasil afora também...). Eu ouvia o bate-estacas bater a manhã inteira na Praça Roosevelt de dentro da minha sala de aula no Colégio Porto Seguro para construírem aquela praça de concreto horrorosa que sobrevive até hoje. Alguém se lembra de como ela era antes? Até 1966, era um amplo campo asfaltado com uma enorme feira livre às quartas e sábados. Era feia, ficou pior.
Durante dez anos, de 1966 a 1975, a cidade foi um campo de batalha. Desvios de trânsito para todos os lados. Era muito difícil dirigir, havia congestionamentos que em nada perdiam para os congestionamentos diários de hoje numa cidade que tinha muito, mas muito menos carros, ônibus e caminhões do que hoje.
São Paulo começou a perder sua poesia nessa época. Até aí, a cidade ainda mantinha basicamente a mesma forma das ruas e praças de 30 anosa trás, com poucas exceções. Havia ainda muitas casas, poucos prédios: no Centro, em Higienópolis e nos Jardins; fora isso, não havia muitos. É verdade que já haviam assassinado o Anhangabaú, com a demolição do Palacete Prates em 1953 e mais tarde (1972) do prédio da Câmara. Já o Clube Comercial não sei quando foi para o chão, mas foi, creio, entre essas duas datas. Três prédios grandes e horrendos foram construídos em seu lugar. Do outro lado do parque, a construção de um Zarzur e Kogan ao lado do prédio do Hotel Esplanada (hoje sede da Votorantim, mas está lá) já afogava a avenida de vez. O prédio do Mappin não ajudava, mas já estava lá desde 1939, embora tenha se convertido em um marco da cidade.
É muita coisa. Não dá para escrever tudo aqui. A foto é de 1972, tirada por mim. O buraco do metrô na rua Vergueiro já havia sido tapado na esquina da rua Joaquim Távora. A rua Vergueiro até então era o que se vê à esquerda. As casas do lado direito foram todas derrubadas.
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