terça-feira, 20 de abril de 2010

SUMMER OF ´68

Quem conhece o "disco das vacas" do Pink Floyd, lançado por volta de 1970, conhece a música "Summer of '68". Então, no verão de 1968 — ou melhor, meses depois dele, em setembro desse ano, nas tradicionais "Férias da Batata", que ninguém conhecia com esse nome na época, pelo menos no Colégio Visconde de Porto Seguro, onde eu estudava; eram as "Férias da Primavera", uma semana de folga no mês de setembro.

Eu e meus amigos Aluísio, João e Roland (este, já falecido) fomos até o apartamento de meus pais na Vila Noêmia, em Praia Grande, lugar ainda semideserto e sem telefone — o único telefone ficava na padaria na beira da praia, que não tinha a avenida que tem hoje na orla. Dormimos lá na primeira noite e depois resolvemos visitar outro grupo da classe, que estava na Praia das Tartarugas, no Guarujá. Toca pegar o ônibus, descer em São Vicente, pegar outro, descer na Ponta da Praia, pegar a balsa, atravessar o canal, tomar outro ônibus e dali seguir até a Praia das Tartarugas.

Ela ficava na ponta da praia da Enseada — ainda fica, lógico — mas era um local isolado logo depois do início da Estrada de Pernambuco, aquela que segue para a balsa de Bertioga. Antes dela, só o Jardim Virgínia, e, antes dele, nada até as cercanias do Morro do Maluf, na outra ponta. Ficamos lá uns dois dias, dormimos na sala mal acomodados (com 17 anos de idade, que diferença faz?) e na noite do dia seguinte tínhamos de voltar para a Praia Grande. A casa era uma antiga garagem de barcos adaptada; acho que ainda existe, mas não como casa, como loja.

Só que não havia ônibus depois das oito, nove horas da noite. Fomos então caminhando: "Vamos a pé, mesmo." Só que a praia era longa e deserta. Tão deserta, que nem ladrões havia. Em um determinado ponto, apareceu um caminhãozinho. Pedimos carona, e o cara, assustado, deu. Na carroceria. Ele seguiu por alguns quarteirões, e o motor fundiu (teria sido o nosso peso?). Descemos e continuamos a pé mesmo. Chegamos a Pitangueiras às 4 da manhã. Lá, pressionamos o Roland para dormir no apartamento dos pais dele ali, mas ele se recusava, pois não tinha "autorização dos pais" para isso. Mas o sono era maior. Ficamos lá, mesmo.

Na tarde seguinte, fizemos a viagem de volta dali para a Vila Noêmia. De novo ônibus, balsa, ônibus, ônibus. Trem, literalmente, nem pensar — ninguém se lembrava dele! E ele existia: poderíamos tê-lo pegado em Ana Costa e ido até Pedro Taques, mas não.

Chegamos finalmente ao apartamento e tivemos que brigar com a faxineira que apareceu por lá, mandada por meus pais: ela não queria lavar a louça, que estava jogada na pia havia dois ou três dias, encardida e com a sujeira grudada. Nada como rapazes responsáveis. No fim, ela não lavou, mesmo, e sobrou para a gente.

Depois, mais um ou dois dias, e pegamos o ônibus para São Paulo — via Santos, claro, pois não havia ônibus diretos. Ah, bons tempos. Tudo era difícil, mas era engraçado.

7 comentários:

  1. Ola Ralph

    Bons tempos e divertidos mesmo, fiz coisas parecidas...só que usava mais o trem ( principalmente a EFSJ ) e os bondes...

    Daniel Gentili

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  2. O que achei mais incrível foi a volta de vocês pela praia da Enseada em plena madrugada... outro dia eu estava lá, no apartamento de uns primos de minha mulher, e decidimos tomar a fresca na portaria do prédio. Não deu um minuto para aparecer um monte de vizinhos alertando para não ficarmos ali, pois seria assalto na certa. A região parece ser muito perigosa, tendo inclusive ocorrido mortes em alguns assaltos. E nem precisa ser uma semana cheia de estranhos atentados na Baixada Santista, como está ocorrendo no presente momento.

    "Tudo era difícil" naquela época? Não sei não... hoje até podemos ter maior acesso a bens materiais e fácil mobilidade - carros e combustíveis são baratos. Mas isto nos custou nossa alma: metade do país, por um motivo ou outro, está em guerra civil não-declarada com a outra. Curioso que a família de meus avós era paupérrima, mas seus filhos progrediram graças a muito trabalho (de dia) e estudo (à noite). Não foi fácil, mas chegaram lá. E o que mudou de lá pra cá? Muita TV e propaganda, exacerbando a necessidade de consumo imediato sem o dinheiro necessário para satisfazê-la? A busca pelo prazer aqui e agora pelas drogas? Perdemos a fibra moral na educação de nossos filhos? Ou é apenas o fim dos tempos?

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  3. Ao Gorni, infelizmente era isso mesmo que v. falou. Não há o que contestar e certamente há muito que adicionar.

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  4. Ainda para o Gorni: a situação no Guarujá, na Enseada, está tão preta assim? E como se vai à praia, com escolta policial ou pagando-se uma taxa de uso aos bandidos? Para que ir ao Guarujá e ter um apartamento lá, então? Fica tudo por isso mesmo?

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  5. Pois é, Ralph. Na Enseada recomenda-se, para ir à praia ou passear, não levar celular, máquina fotográfica ou qualquer badulaque eletrônico, pois é grande o risco de assalto. Na melhor das hipóteses, deve-se deixar muito bem escondido.

    O pior é quando o cidadão é assaltado e ainda leva bronca da polícia por ter "dado mole" ao bandido por ter exposto um relógio, celular ou máquina fotográfica, ítens que hoje até são relativamente baratos! Isso já aconteceu comigo, ainda que felizmente o assalto tenha se frustrado... Geralmente trata-se de pessoa honesta que paga a pantagruélica carga fiscal oficial do país que deveria, entre muitas outras coisas, garantir sua segurança. Mas, na prática, serve para muito pouco, permitindo a ação fiscal heterodoxa dos meliantes.

    A maioria dos crimes é atribuída a viciados, que roubam qualquer coisa para manter o vício. É bem possível.

    Na semana passada houve vários toques de recolher esparsos no comércio da Baixada Santista, ordenados por motoqueiros ou ciclistas aparentemente a mando de chefões do crime. O pior é que esses toques são prontamente obedecidos. E lá a população confia na polícia do governo?

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  6. Ainda bem que vendemos a casa que era de meu sogro na Enseada, já faz uns 4 anos. Na verdade, ela ficou à venda por mais de dez anos

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  7. Atualmente acho que ela demoraria ainda mais para ser vendida. A manchete de hoje da Folha de SP foi a advertência que o governo dos EUA fez a seus cidadãos no sentido de evitar viajar para o Guarujá em função da série de ataques que o PCC ora faz na região.

    Mais uma vez Baghdad e Kabul curvam-se frente à hegemonia tupiniquim em tecnologia de insurgência! Aqui não precisa de Bin Laden, Taliban ou armas de destruição em massa.

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