segunda-feira, 22 de junho de 2009

PRETÉRITO IMPERFEITO

O presente não é nada perfeito. Continuo aqui no hospital, na alameda Santos, com perspectiva mínima de deixá-lo somente no final da semana que se inicia dia 22 de junho.

Enquanto isto, penso em alguns dos lugares que conheci, e como deveria ter sido quando tudo era normal e bem cuidado. No dia em que minha mãe nasceu, 22 de julho de 1923, como teria sido a reação dos parentes da imensa família Silva Oliveira, que, na época, morava quase toda ela em Porto Ferreira, a 230 quilômetros da Capital?

Mamãe, Astréa, nome de uma deusa grega, foi uma das primeiras pessoas da família a não nascer em Porto Ferreira e, mais ainda, a nascer numa maternidade. Como sua irmã mais velha, Astarté – uma deusa fenícia – estava mortalmente doente e sendo tratada no Hospital Santa Catarina, na avenida Paulista, em São Paulo, sua mãe Maria estava ali, com a filha à morte e grávida de minha mãe. A tristeza e a felicidade caminhando juntas e as pessoas divididas entre as duas.

Foi por isto que Angélica resolveu embarcar no trem e vir para São Paulo. Ao mesmo tempo que visitariam Maria para conhecer o novo rebento, prestariam uma de suas ultimas homenagens a Astarté, a loirinha de cinco anos com olhos azuis, de cabelos loiros e cacheados de anjo.

Angélica não morava no Porto, mas em São Simão, onde era professora no Grupo Escolar da cidade. O caminho mais fácil seria tomar o trem da Mogiana no centro da cidade e ir até a estação de Baldeação, onde a Mogiana e a Paulista se encontravam com bitolas diferentes.

Uma estação diferente sob todos os aspectos, tanto das da Mogiana quanto das da Paulista. Era uma plataforma comprida, com uma cobertura de zinco e sob estes dois pequenos postigos que serviam de bilheteria e de deposito de mala, sala de espera. Imagino o que aconteceria num dia de chuva de vento, pois o local era isoladíssimo, no meio de nada e a cerca de 1 km da estação de Santa Veridiana da Paulista e um pouco mais da estação da Lage, da Mogiana.

Angélica teve de sair de São Simão às 22:07, no “N2”, na noite de sábado, dia 22 de julho, desembarcando em Baldeação por volta da 1:15 da madrugada. Lá desembarcando, o frio era forte: muito vento, escuridão de breu, via-se uma ou outra luz de lampião nas casas da vila ferroviária não tão distante. Apitos de trens ao longe delatavam a existência dos trens da Mogiana e da Paulista. Podia-se também ouvir o rugido das onças em volta. Angélica tomou um trólei para Santa Veridiana para lá pegar o trem das seis da manhã para Pirassununga e dali para Cordeiro e São Paulo, aonde chegaria pouco depois das seis da tarde.

Tudo isso para não pegar o trem direto de São Simão a Campinas, cheio de curvas; em Campinas o trem seguiria direto para a Capital em bitola larga. Angélica viu as duas netas na manhã de segunda-feira, dia 24. Uma aventura, mas não foi a primeira nem a úlimta vez. Anos mais tarde, Astréa fez muito a troca de trens na estação de Baldeação para ir visitar a tia em São Simão.

Baldeação, local de tantas recordações, hoje é uma ruína só, depois de ter fechado em 1968. Aqui, o pretérito é imperfeito, pois as pessoas, datas e horários são corretos. Apenas deixei a imaginação me levar no sentido de que eu não sei se Angélica fez esse trajeto; sei também que o trem N2 da Mogiana não parava em Baldeação. Liberdade poética. Mamãe Astréa está bem viva até hoje.

4 comentários:

  1. caro Ralph, só soube sobre você agora, lendo teu blog. Não sei exatamente o que te aconteceu mas voce parece m vias de recuperação. Que bom, ainda bem. No início do mês, meu pai teve um derrame e ficamos todos muito afetados por isso. Ele também está melhor. Estimo tua pronta recuperação e deixo um beijo e um abraço para a mulher e os filhos. Saudades, Vinicius Mainardi

    ResponderExcluir
  2. Caro Ralph;

    Espero que a sua recuperação esteja indo bem, assim como espero que não tenha ocorrido nada de mais grave.
    Pelos teus relatos aqui no blog, me parece que apesar de hospitais, camas, internações, e afins, as coisas tem evoluído bem.
    Saudações a você e a todos os seus familiares. Um grande abraço!

    ResponderExcluir
  3. Bom dia, Ralph. Já passa das sete da matina, e ontem fiquei sabendo de sua cirurgia por conta de uma jovem que está na produção de um curta-metragem ferroviário. Porra, que susto eu levei! E já que agora voce tá novo em folha, vê se sai do escritório acarpetado e suja um pouco seus sapatinhos de cromo alemão pelas estradas-de-ferro de meu Deus. Hehehehehehehe!

    Fique bom logo e volte ao convívio de seus familiares e amigos. Saúde e força pra voce, Ralph.

    Um abraço fraterno.

    ResponderExcluir
  4. Ralph, apesar de te conhecer apenas virtualmente, receba meus desejos sinceros e reais de restabelecimento.

    Abraços,

    Douglas Franzo Hidalgo

    ResponderExcluir