domingo, 22 de maio de 2011

PRESIDENTES PAULISTAS E O PODER

Ranieri Mazzilli
Outro dia estive conversando com um amigo meu e eu lhe disse que o último presidente paulista do Brasil foi Rodrigues Alves, no já distante ano de 1906 (quando acabou seu mandato). Ele ficou surpreso. Eu lhe disse que, embora quatro presidentes mais recentes tenham feito sua vida política em São Paulo, eles não eram paulistas: Washington Luiz (fluminense de Macaé), Jânio Quadros (matrogrossense de ), Fernando Henrique (carioca) e Lula (pernambucano de Garanhuns). Ele ficou surpreso por Jânio, que pensava ter sido paulista.

Tecnicamente, o último presidente paulista (de Caconde) foi Ranieri Mazzilli, que ocupou o cargo por duas vezes - na renúncia de Jânio (1961) e na deposição de João Goulart (1964), mas por poucos dias em ambos os casos. Podemos considerar, na prática, que ele tenha sido um "presidente" ou um "presidente interino", sem ter, na prática, poder algum, sabendo de sua interinidade?

De qualquer forma, que poder real tiveram todos esses presidentes? Na República Velha (1889-1930), certamente mais do que os de hoje. Getúlio Vargas, gaúcho, foi o que mais acumulou poder nos 15 anos em que governou (1930-45), por motivos que conhecemos. Igual a ele (ou mais?) tiveram os presidentes militares (1964-85), Castelo Branco (cearense), Costa e Silva, Médici e Geisel (gaúchos) e finalmente Figueiredo (carioca). Somados a Hermes da Fonseca (1910-14) e a João Goulart (1961-64), também gaúchos, é fácil ver que o Rio Grande do Sul foi o Estado que mais gerou presidentes.

Fernando Collor era carioca e não alagoano. Alagoanos eram Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Paulistas, além de Rodrigues Alves, foram Prudente de Moraes e Campos Salles. Rodrigues Alves foi eleito novamente em 1917, mas morreu antes de assumir, bem como Tancredo Neves, mineiro (1985). Júlio Prestes, paulista, não conseguiu assumir em 1930, pois seu antecessor, Washington Luiz, foi deposto e era este que o apoiava.

Durante a República Velha, houve três mineiros: Affonso Pena (1906-9), Wenceslau Braz (1914-18), Delfim Moreira (1918-19) e Artur Bernardes (1922-26). Epitácio Pessoa (1919-22) era paraibano. Nilo Peçanha, que ocupou o cargo (1909-10) finalizando o mandato de Affonso Pena, morto, era fluminense.

Volto à pergunta: excetuando-se Vargas e o período militar, quem mandava no Brasil realmente: o presidente ou o Congresso? Na República Velha, a influência da Câmara era menor do que hoje, mas era forte. Em alguns casos, muito forte: vejam o exemplo de Pinheiro Machado, senador gaúcho no tempo de Hermes da Fonseca. Foi assassinado em 1915, mas seu controle sobre Hermes era muito grande, diminuindo um pouco com Wenceslau Braz.

Nos últimos anos, não era e não é difícil notar o poder de congressistas como Antonio Carlos Magalhães, José Sarney (que foi presidente de 1986 a 1991 e desde então é senador não pelo seu Estado, Maranhão, mas pelo Amapá, neste caso um típico "estado de aluguel"). Os leitores lembra-se-ão de outros.

A pergunta hoje é que poder tem o presidente da República. E pelo que se vê, pouco. Quem manda é o Congresso. O que ajuda no presidente é a sua popularidade. Lula, queiram seus detratores ou não, foi bastante grande, mas ele também sofreu nas mãos do Congresso. E é óbvio que os interesses do Congresso estão longe de ser os do povo. E este fato não é recente, vem de longe, vem dos tempos de Dom Pedro I - ou seja, passa por toda a história do Brasil independente.

No século XIX, a influência dos estados do norte e principalmente do nordeste era muito forte. Lá estavam os usineiros da cana de açúcar, principalmente em Pernambuco, Alagoas e Bahia. O fato de os dois primeiros presidentes do Brasil terem sido alagoanos não é surpresa quando se analisa este fato. E boa parte da política do "café-com leite", que sugeria o poder dos cafeicultores e produtores de leite concentrados nos estados de São Paulo e de Minas Gerais, só podia ser implementada por que havia o apoio dos usineiros do nordeste. Ainda assim, é surpreendente que Pernambuco e Bahia jamais tenham tido presidentes ali nascidos (sim, teve Lula, mas esse se "formou" politicamente em São Paulo e houve ainda o baiano Rui Barbosa que foi candidato forte em duas ocasiões, 1914 e 1922, mas jamais ganhou).

Mas é mesmo surpreendente este fato? Talvez não, se analisarmos que pode ter sido uma questão de escolha, ou seja, talvez seja melhor manter força no Congresso do que ter um presidente que não tem toda essa força que se lhe apregoa. É exatamente isso que Pernambuco, Alagoas e Bahia fazem até hoje, apesar da decadência em suas economias que já transcorre desde o final do século XIX. Perderam poder econômico, mas mantiveram poder político.

Existe um fato alardeado pela imprensa sulista (não sei se a imprensa nordestina se preocupa com isto ou não) que mostra dois problemas claros de representação no Congresso: um, o fato de o número de deputados não ser proporcional à população dos estados (São Paulo tem muito menos deputados do que deveria sendo o estado mais populoso do país: tem 1/5 da população brasileira) e dois, o Senado tem 3 senadores por estado, independentemente de suas populações. Isto foi consequência de manobras da bancada do norte e do nordeste durante o período militar, não corrigidas até hoje por absoluta falta de interesse do Congresso.

No Brasil, quem tem a maior parte da produção e da renda não tem o poder político. É difícil de dar certo. Podem eleger o presidente paulista que quiserem, nada vai mudar enquanto o Congresso não passar a representar o povo, tanto nos seus interesses quanto no número de habitantes das suas tão diferentes regiões.

2 comentários:

  1. Olá Sr. Ralph,
    Existem autores estrangeiros (entre eles René Armand Dreifuss e Thomas Skidmore - ditos brasilianistas) que afirmam categoricamente, que no período militar quem efetivamente concentrava o poder era um senhor chamado Golbery do Couto e Silva, sendo os presidentes meros coadjuvantes. Acho pessoalmente essa teoria muito "forçada", mas certamente esse General tinha efetivamente um poder muito grande, dada sua habilidade e inteligência que o fazia perceber que seu lugar era mesmo fora dos holofotes, para poder influenciar melhor. Foi ele também um chefe da Casa Civil. Como foram a Presidenta Dilma e o Sr. José Dirceu que, segundo novas teorias, é quem efetivamente "manda" (ainda) em nosso pais.

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  2. ESCLARECENDO
    O Gal. Golbery do Couto e Silva foi, não há dúvida, astro de primeira grandeza da era em que a República era chefiada pelos militares.
    Mas não o foi no longo de todo o ciclo militar, que durou exatos 21 anos, entre abril de 1964 e março de 1985.
    A figura de Golbery emerge, no "cenário" das grandes decisões políticas, como grande "articulador" da abertura "gradual, lenta e segura" (para usarmos palavras atribuídas a Geisel) a partir de 15 de março de 1974, com a posse de Ernesto ma Presidência da República.
    Golbery permanecerá, como tal, até à volta de abril/maio de 1981, a quando do tristemente célebre episódio do Rio Centro (30 de abril de 1981), e a consequente falta de habilidade (ou de interesse!) do Governo Figueiredo em "apurar os fatos. Tal "omissão" de Figueiredo face ao problema gerado pelos "atentados" de abril/1981, teria sido a causa maior que motivara a saída de Golbery, da chefia da Casa Civil.
    A propósito, recomendo, para mais informações, a leitura de "O SACERDOTE E O FEITICEIRO - A DITADURA DERROTADA" - de Elio Gasparri.
    Osmar Lucena Filho - Piquet Carneiro-CE
    Memorialista

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