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sábado, 11 de junho de 2016

BREVE HISTÓRIA DA RUA DA CONSOLAÇÃO


Acima, a rua da Consolação em 1930, trecho início até a rua Caio Prado (Sara Brasil)

A rua da Consolação é uma das ruas mais antigas da cidade de São Paulo, sendo provavelmente anterior à sua fundação. Historiadores citam-na como sendo parte da Trilha Tupiniquim, que ligava São Vicente a Assunção, no Paraguai - parte dos caminhos do Peabiru, construído por indígenas pre-colombianos.

Se é que se poderia chamar de rua uma trilha estreitíssima no meio da selva fechada utilizada apenas por índios caminhando a pé que provavelmente tinham de avançar 
constantemente quebrando galhos de árvores e arrancando grandes touceiras.

Por volta de 1810, a rua foi aberta oficialmente, tomando esse nome por ligar o Piques, no largo da Memória, à igreja da Consolação e dali para a frente para Pinheiros e Sorocaba. Por boa parte do século XIX, a rua da Consolação tinha este nome até a igreja. Com a construção do Cemitério da Consolação, em 1858, o nome acabou sendo estendido até ele. 

Acima, a rua da Consolação em 1930, trecho cemitério até alameda Franca (Sara Brasil)
Dali para a frente, sabe-se que já tinha o nome de rua da Consolação no final do século XIX o trecho onde terminava a avenida Paulista a partir de 1891. Já o trecho entre este ponto e a rua Estados Unidos já existia em 1905 e possivelmente surgiu com o loteamento da Villa America, em terrenos da antiga Fazenda Caaguassu. O nome deste trecho, de largura sempre menor do que a rua original, principalmente depois que esta foi duplicada, mantém sua largura igual às paralelas (Bela Cintra, Haddock Lobo) até hoje e resistiu a investidas nos anos 1960 e 1970 de tentativas de mudanças de nome, sempre rejeitadas pelos moradores. 


Até os anos 1990, ainda podia ser vista pelo menos uma placa - não me lembro em qual esquina, possivelmente da alameda Franca ou Tietê - com o nome proposto, Rua Padre Donizetti Tavares de Lima. Aliás, a rua inteira é muitas vezes chamada na imprensa de Avenida da Consolação, devido ao alargamento que houve no final dos anos 1960, mas permanece o nome de rua da Consolação.

Com a implantação dos bondes elétricos pela Light na cidade de São Paulo em 1900, a rua da Consolação logo ganhou suas linhas também, embora já as possuísse com bondes a tração animal antes disso - eram bondes que subiam pela Brigadeiro Luiz Antonio, entravam pela Paulista e desciam a Consolação e vice-versa. Com os bondes elétricos, mais linhas surgiram, desaparecendo todas até 1966. 


Em 1947, as linhas foram encampadas pela CMTC - Companhia Municipal de Transportes Coletivos. Trafegavam pela rua, em suas linhas duplas, os seguintes bondes (ano de 1936): 3-Avenida; 29-Pinheiros; 36-Angelica; 38-Angelica (Guia Levi, maio de 1936). As linhas e seus números eram alterados de acordo com a época, entre 1900 e 1966.

Para entender a numeração antiga da rua da Consolação, que vigorou até a segunda metade dos anos 1930, quando foi substituída pela numeração métrica de hoje, saiba que: o nº. 2 estava junto à rua Braulio Gomes; o
nº. 18, junto à São Luiz; nº. 35, à rua Major Quedinho; nº. 64, à rua Araújo; o nº. 84, à rua Martinho nº. 111, à rua Olinda (atual Guimarães Rosa); o nº. 127, junto à Caio Prado; o nº. 152, junto à rua Maria Antonia; o nº. 192, junto à rua Marquês de Paranaguá; o nº. 216, junto à rua Visconde de Ouro Preto; o nº. 215, junto à rua Sergipe; o nº. 226, à rua Piauí; o nº. 237, junto à rua Pedro Taques; o nº. 346, à rua Maceió; onº. 369, à rua Fernando de Albuquerque; o nº. 391, junto à rua Santa Cruz (hoje Matias Ayres); nº. 417, à rua Antonio Carlos. 

Elas não seguiam nenhuma lógica de métrica, o número do outro lado da rua poderia estar muito mais acima ou abaixo do que o seu fronteiriço, mas a numeração era sempre crescente e, como hoje, os números pares ficavam ao lado direito a partir do início da rua. Estes dados foram obtidos a partir do Almanach para 1916 de O Estado de S. Paulo.

A numeração da rua foi, finalmente, alterada para a atual em maio de 1939, agora obedecendo a uma sequência métrica. Os números antigos foram todos mudados e a lista de cada imóvel que existia então está acima.


Finalmente, as residências, escritórios e lojas em 1962, de acordo com a Lista Telefônica da CTB (abaixo).





quarta-feira, 20 de agosto de 2014

COMO ERA SÃO PAULO EM 1378 D.C.?


Eu estava aqui, pensando... sempre lendo sobre o Brasil, a Europa (principalmente) e ainda outros lugares, continentes, países...

A Europa sempre me impressionou, li e leio muito sobre ela, mas quantas vezes estive lá? Tenho sessenta e dois anos e fui à Europa apenas duas vezes em minha vida, onde passei não mais do que duas semanas por vez. Os países em que mais tempo estive, pela ordem, foram Itália, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Austria e Espanha. Nenhum outro. Em média, foram 2,7 dias em cada país.

É pouquíssimo, considerando a área da Europa, pouco maior do que a do Brasil, e o número de países que a formam. Fui muito mais aos Estados Unidos, mas não me impressiono tanto com a história deles.

A última vez que estive nos Estados Unidos foi em 1994. Na Europa, em 1995 e neste caso sempre a serviço.

Depois disso, por uma série de fatores, não saí mais do Brasil. Meu passaporte expirou em 1993 e somente renovei-o na semana passada. Foram onze anos sem precisar de passaporte. Porém, agora, tenho uma filha morando na Itália, então... falta só o dinheiro e tempo para ir.

Não saindo mais do Brasil a partir de 1995, comecei a viajar por ele, a serviço ou não. Ainda estou longe de conhecer todo o Brasil e provavelmente nunca o conhecerei. Mas posso dizer que gostei da maioria dos locais que conheci nestes últimos dezenove anos.

O que me impressiona na Europa é a civilização, bem antiga. Há inúmeras cidades que são mais do que centenárias, até milenares.

E por aqui? As cidades mais antigas têm pouco mais de 500 anos e mesmo assim há dúvidas sobre essas datas. (Itanhaém, Cananeia, São Francisco, em Santa Catarina, por exemplo). O primeiro município brasileiro criado pelo governo português tem menos de 500 anos. É São Vicente, em São Paulo, de 1532. A cidade já existia antes. E olhe - como se caracteriza uma cidade, vila ou povoado? Difícil, não?

E é nisto que eu "estava aqui, pensando"... São Paulo foi fundada em 1554. Foi mesmo? Os jesuítas chegaram aqui no planalto em 1554. Há quem diga, burocraticamente, que São Paulo foi fundada mesmo em 1553. Como? Ora, em 1553 João Ramalho, aquele português que andava com os índios do litoral havia décadas foi quem resolveu subir a serra e fundar Santo André da Borda do Campo (nada a ver com a atual Santo André)..Só que, em 1560, a sede do município (caracterizada pela forca e pelo pelourinho) foi mudada de Santo André para São Paulo (municípios nessa época eram chamados de villas).

Ora - o raciocínio é "lógico": se São Paulo passou a ser a sede de uma vila fundada em 1553, então ele teria um ano a mais! Está bem, vamos aceitar a teoria. Mas, podemos?

São Paulo estava num ponto estratégico, no alto de uma colina de onde se via o rio Tamanduateí e até, ao longe, o Tietê. Tinha-se uma boa vista da planície por onde chegavam os inimigos - outros índios. Daí o nome da rua da Boa Vista, que somente tinha casas do lado esquerdo de quem seguia do Colégio para a aldeia do Cacique Tibiriçá (Largo de São Bento). A partir da hora em que começaram a construir casas do lado direito, e mais recentemente, prédios encostados um nos outros, a Boa Vista acabou - ficou o nome da rua. Milagrosamente não o trocaram, como fizeram com tantas ruas mais do que centenárias de São Paulo.

Os meus pensamentos, no entanto, vão mais além - Tibiriçá não era nenhum mocinho quando foi encontrado ali em sua taba. Já estava ali havia um bom tempo. Ele também estava na parta alta, olhando o rio Anhangabaú lá em baixo, esperando os inimigos. Quantos deles Tibiriçá terá derrotado? Ou nenhum, por que eles talvez nunca tenham aparecido?

Se a taba de Tibiriçá não estava isolada, e não deveria estar, aquilo não poderia ser considerado um povoado, uma cidade? Teria um nome? Piratininga, talvez? Há quanto tempo estavam ali a família, os antepassados de Tibiriçá? Dois anos? Trinta anos? Cem? Quinhentos? Os guaianazes, chefiados por Tibiriçá, eram nômades? Ou já havia povoações ali faria tanto tempo quanto as havia nas cidades europeias?

O modo de vida era completamente diferente de um europeu e de um guaianá, mas a verdade era que ambos eram seres humanos e ambos precisavam de um teto para se proteger do frio, do calor, da chuva.

Sabe-se que a rua da Consolação passou a ser o caminho para Pinheiros a partir da época em que esta aldeia foi fundada, em 1560. Depois, para Sorocaba, pois ia-se por ali também. Mas a trilha Tupiniquim, parte da rede de estradas chamada Peabiru, já existia desde... quando? A Trilha Tupiniquim, dizem historiadores, era a própria rua da Consolação - sem a largura de hoje, sem as construções de hoje, sem os trilhos de bondes que vieram e foram embora, sem canteiro central. Depois, o caminho seguia pela atual Rebouças, depois pela rua de Pinheiros, depois pela rua Butantan, Vital Brasil, Corifeu e depois estrada de Itu, que depois se bifurcava para Cotia e Sorocaba... e para o Paraguai, para o Peru.

Não tirei o que escrevi aqui da minha imaginação. Tirei de literatura que li durante décadas. Podem estar corretas ou não - mas não podem estar tão erradas.

Então, nós, que hoje levamos a pé umas duas horas para ir do centro a Pinheiros, mas não fazemos isso porque temos de subir uma enorme ladeira na ida e porque temos automóveis e preferimos ficar parados no trânsito - talvez até em mais de duas horas, dependendo do dia, de qual é o protesto do dia - nós, que hoje podemos pegar o metrô, que segue o Peabiru até a igreja de Pinheiros, ou o corredor de ônibus da Rebouças e Consolação, que a partir do rio Verde (esquina da Rebouças com a Brasil), deixa de seguir o Peabiru, pois não segue pela rua de Pinheiros, nós, que precisamos percorrer hoje uma cidade monstruosa que tem doze milhões de habitantes e que, se existisse no ano 1000 (será que não existiria?) teria quantos habitantes?

Impossível calcular. Quantas aldeias desaparecidas podem ter ocupado a área entre o ano 1000 e 1554? Quantas respostas jamais teremos? É até frustrante, mas nada podemos fazer, a não ser que alguma surpresa apareça de forma surpreendente (juntamos aqui duas surpresas) e nos revele como era São Paulo na primeira metade do segundo milênio depois de Cristo.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O HOMEM QUE NÃO DEVIA MORRER

Rua da Consolação sendo duplicada, em 1967. Foto Diário de S. Paulo

Um de meus amigos de infância tinha um sogro que se chamava Irineu. Era um grande sujeito: conheci-o há uns 35 anos e ele faleceu há uns quatro, infelizmente. Era um excelente marceneiro, além de empresário. Nasceu na rua Conde de Irajá, na Vila Mariana. Esta era a rua que, pelo menos quando ele era menino, dividia a rua Vergueiro da Estrada do Vergueiro. Hoje é tudo rua Vergueiro.

Quando se casou foi morar numa casa com sua esposa, na avenida Nove de Julho. Uma casa de estilo normando, telhado alto e "pontudo", para que, se caísse neve, escorreria tudo para o chão sem fazer peso — como se aqui nevasse, mas era o estilo, fazer o quê? Não me lembro direito, mas creio que a casa era da família da esposa dele e esta, sim, passou a infância lá. Ele — ou ela — contava que a rua era estreita (era a Salvador Pires), depois foi alargada (em 1942) para se fazer a avenida que saía do túnel alcançar a Brasil. Ela andava de bicicleta na rua.

Quando eu os conheci, já era difícil entrar com o carro na garagem, com os ônibus subindo a avenida e encostando na traseira do seu carro, que tinha de quase parar para fazer uma curva de noventa graus para entrar na garagem. Quando outras pessoas iam lá e entravam na garagem para estacionar o carro, havia que se telefonar antes para que eles abrissem os portões enormes de madeira e a gente pudesse entrar rápido com o carro antes de levar uma bordoada por trás.

Durou anos, mas por volta do ano 2000 eles conseguiram vender a casa e se mudar para São José dos Campos, onde estavam morando a filha e o genro já havia uns dez anos. No lugar da casa e de mais uma vizinha pelo menos, foi construído o hotel Formule 1 entre a Lorena e a rua Estados Unidos, lado ímpar da Nove de Julho.

São estes relatos comparativos de tempos em tempos de um mesmo local que me fascinam. Como seria se os homens vivessem mais e pudessem acompanhar determinados locais durante os últimos duzentos anos? A rua da Consolação, por exemplo. Até onde me lembro neste momento, ela foi aberta em 1808 (posso estar enganado, mas creio que é isto).

Admitindo que um homem que tivesse uns 220-230 anos de idade hoje e conseguisse manter a lucidez, ele teria visto uma picada no meio da mata tornar-se uma rua mais larga para a passagem de um ou outro carro de bois ou de burros (essa rua, antiga estrada de Pinheiros ou de Sorocaba, existe desde tempos imemoriais como a trilha Tupiniquim, parte do "complexo viário" indígena do Peabiru) para depois ser prolongada até o topo do Caaguassu, junto à então futura avenida Paulista. Depois, no final do século XX, receberia seus primeiros trilhos para bondes a burros, substituídos no início do XX para trilhos mais robustos para os bonde elétricos.

Em meados dos anos 1960 seria duplicda e receberia um canteiro central. Enquanto isso, os bondes acabaram e os ônibus a invadiam cada vez mais, juntamente com automóveis e motocicletas. Se alguém pudesse ter acompanhado isto e contar histórias comparativas hoje para nós, imagine o que não seria!

É o que as fotografias tentam fazer. Porém, a fotografia mais antiga que já vi da rua da Consolação não é nem do início do século XX. É mais recente. O que posso contar sobre a rua é que eu a conheci bem mais estreita — largura equivalente a uma das pistas que tem hoje — com paralelepípedos e duas linhas de bonde, uma subindo e outra descendo, no centro da rua. Eu a vi tendo as casas de um dos lados sendo demolidas desde a Biblioteca Municipal até a avenida Paulista. Vi-a em obras de duplicação — outro dia vi fotografias destas obras e da avenida recém-aberta, em 1967/8.

Tenho, assim como muitas outras pessoas, diversas memórias de pontos de São Paulo. Só que o homem que não morreu — aquele, sim, morreu, mas não deveria — não existe e não pode contar duzentos anos de história nem ter fotografias de 200 anos, porque esta tecnologia nem existiu por todo esse tempo. Agora é fuçar as gavetas e impedir que memórias fotográficas sejam atiradas ao lixo por descaso ou qualquer outro motivo.