Nota: todo o texto abaixo foi transcrito do Correio 24 horas de 15/2/2021. A fotografia acima é de autoria de Arisson Marinho, na mesma reportagem.
Após mais de 160 anos, Trem do Subúrbio encerra atividades; usuários se despedem
Correio 24 Horas – Depois de mais de 160 anos de serviço, o
Trem do Subúrbio vai ser aposentado nessa segunda-feira (15), e os cerca de
seis mil usuários dos trens de Salvador têm até este sábado, às 19h30, para se
despedir deles. Pela última vez, os velhos trens vão correr os 13,5 km de
trilhos que ligam Paripe e Calçada e fazem parada em dez estações em bairros do
Subúrbio Ferroviário.
Fim de uma era para a chegada de outra. O governo do estado
vai dar início à nova etapa das obras do Veículo Leve de Transporte (VLT).
Entre os usuários, uns defendem a mudança e focam nos benefícios, e outros
lamentam o aumento de preços e o apagamento de tanta história.
Jacira Silva, de 68 anos, desenvolveu uma relação especial
com o trem. Professora de História, ela leva, todos os anos, seus alunos para
conhecerem o modal, enquanto conta a história ferroviária de Salvador. Na sexta
(12), foi dia de fazer a última viagem, desta vez sem os alunos, por conta da
pandemia, apenas ao lado do filho.
Para a professora, o VLT poderia ser implantado sem a
desativação dos trens. “Acabar com o trem é acabar com a história, deixar ela
somente para os livros. Ver isso tudo ruir de repente dá um nó na garganta. Eu
não acredito que o progresso signifique destruição da história”, diz ela,
emocionada.
Para a despedida, o plano foi parar em cada estação e
relembrar a história de cada uma delas. “Hoje eu vim fazer a minha última
viagem. Quero perpetuar essa história na minha memória e poder continuar
passando ela adiante, mantendo ela viva de alguma forma”, conclui Jacira.
Quem também vai sentir falta do serviço é a comerciante Rose
Freitas, de 33 anos. Ela mora no Lobato e utiliza o trem todos os dias, para
chegar na estação da Calçada, onde tem uma barraquinha de frutas. Ela diz que o
novo custo da passagem vai pesar no bolso e teme que, com a desativação, as
vendas entrem em queda.
“Agora vai aumentar muito o nosso gasto. Eu gastava um real
por dia, vou gastar quase nove. Vai pesar muito, até por conta do comércio, que
é forte por causa do ponto na porta da estação. Aqui é passagem mesmo de todo
mundo. Vou tentar uma ou duas semanas aqui, para ver como fica. Todos os
ambulantes aqui estão muito desanimados, preocupados”, diz Rose.
Segundo a Companhia de Transportes da Bahia (CTB), a passagem
custa R$ 0,50 (inteira) e R$ 0,25 (meia), com viagens a cada 40 ou 45 minutos.
Os trens operam das 6h às 20h, e a passagem é gratuita para maiores de 60 anos.
Com a mudança, os passageiros terão que passar a desembolsar R$ 4,20 por
viagem.
Uma pesquisa realizada em 2019 pelo Bákó Escritório Público
de Engenharia e Arquitetura da Ufba, Ministério Público estadual e Tec&Mob,
apontou que 42% dos usuários do trem ganhavam, à época da pesquisa, menos que
um quarto do salário mínimo e estavam abaixo da linha da pobreza.
O perfil traçado apontou ainda que 90% dos usuários eram
negros, 80% chegavam à estação do trem a pé e cerca de 70% afirmaram que
deixarão de utilizar a linha ou reduzirão o uso após a mudança do modal.
Devido a esse cenário, o Ministério Público estadual, por
meio da promotora de Justiça Hortênsia Pinho, ajuizou na quinta-feira (11) uma
petição para solicitar que a Justiça impeça a paralisação do trem do subúrbio
marcada para a próxima segunda-feira (15). Segundo a promotora de Justiça, a paralisação
deve ocorrer de forma escalonada e deve ser divulgada para a população com
prazo mínimo de 30 dias, possibilitando uma prévia adaptação dos usuários que
não têm condições de arcar com a alteração de valor. “A divulgação ocorreu
apenas dez dias antes da paralisação. Um total desrespeito com aqueles que
dependem do modal para se locomover”, destacou Hortênsia Pinho.
Mas há também quem concorde com a desativação dos trens.
Para a aposentada Marizete Araújo, de 65 anos, o VLT vai valorizar a região mais
carente da cidade. “Vai ser ótimo para o Subúrbio, para a periferia. A gente
precisa de melhorias, de modernidade. É um desrespeito com o ser humano isso
aqui ainda estar funcionando, porque toda hora quebra, é um perigo. Já passou
da hora de mudar isso aqui”, opina Marizete, que diz evitar pegar o trem,
preferindo outros meios de transporte.
Mudança
Segundo informações da Companhia de Transportes do Estado da
Bahia (CTB), a implantação do VLT vai provocar a realocação de aproximadamente
360 famílias do local. Ainda de acordo com a Companhia, todas elas terão seus
imóveis avaliados individualmente e receberão as indenizações justas. A escolha
do novo lar será feita com assistência, e as famílias receberão desde apoio
jurídico para a aquisição da nova casa, até suporte para a mudança.
A região do Subúrbio, após a conclusão das obras do VLT,
ganhará um museu ferroviário e um centro comercial de serviços na região.
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da
Bahia (Sedur), com o VLT, serão 25 estações e 23 km de extensão. O investimento
a ser aplicado é de R$ 2 bilhões e a previsão é de geração de 2.200 empregos.
O percurso terá duas linhas. A principal vai sair da Ilha de
São João, em Simões Filho, passando por todo o Subúrbio, Estação Acesso Norte,
Lapa, Aeroporto, Iguatemi e Pirajá. A outra linha, na altura da Via Expressa,
passa pelo Comércio, com estação final no Instituto do Cacau.
Segundo a Sedur, a desativação dos trens e implantação do
VLT é uma questão necessária. “O trem já pararia naturalmente, porque é um trem
cinquentenário, que você não acha mais peça de reposição. Na gestão João
Henrique, tentaram fazer uma modernização de três unidades, que não vingou.
Temos hoje só dois funcionando e outros dois de reserva”, explica o secretário
da pasta, Nelson Pelegrino.
Pelegrino também destaca as vantagens que a mudança trará
para a população. Segundo ele, quem leva cerca de duas horas para chegar ao
destino final vai passar a fazer viagens de 50 minutos, contando com
ar-condicionado e Wi-fi. Além disso, o tempo de espera, hoje de cerca de uma
hora, será de quatro minutos.
“Assim como o metrô foi uma revolução, que transportava 400
mil pessoas por dia antes da pandemia, isso acontecerá no subúrbio. É uma revolução.
Vamos sair de um sistema precário para um sistema moderno”, completou o
secretário.
O secretário Nelson Pelegrino informou ainda que ainda não
há definição de qual destino será dado aos trens, mas que eles devem compor
museus da capital e também de outros estados.
História
A linha, que hoje se resume às dez estações da cidade de
Salvador, costumava cortar toda a Bahia, aproximando o território aos estados
vizinhos numa malha que interligava o país. A via férrea foi inaugurada em
1860, conectando Salvador a Alagoinhas. Era a quinta ferrovia a ser construída
no Brasil e a primeira na Bahia.
Com o passar dos anos, o número de estações foi reduzindo e
a distância, com as reformas, também. Em 1972, a viagem ia até Simões Filho. O
desenho atual é do início dos anos 1980. Em 2005, a gestão do trecho
ferroviário entre as estações da Calçada e Paripe era de responsabilidade da
Prefeitura de Salvador, porém em maio de 2013 o sistema foi transferido para o
Estado, juntamente com as obras do metrô, passando a ser administrado pela
Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB).
Operação especial
Com o fim da operação dos trens no Subúrbio de Salvador, a
Secretaria de Mobilidade (Semob) montou uma operação assistida para atender a
nova demanda de passageiros que devem passar a utilizar o transporte público
através dos ônibus na região. A operação terá início na segunda-feira (15),
mesmo dia em que os trens deixarão de circular.
Os agentes de trânsito e transporte estarão na região para
observar a demanda de passageiros e realizar os ajustes necessários. Veículos
da frota reguladora ficarão em pontos estratégicos, reforçando o atendimento,
principalmente nos horários de pico.
Serão oito veículos das 5h30 às 9h, dos quais quatro ficarão
em frente ao centro de abastecimento de Paripe e quatro no Largo do Luso. No
pico da tarde, das 16h às 19h, oito veículos da frota reguladora ficarão à
disposição no Terminal da França.
Integração
Os passageiros que utilizarem os ônibus poderão agora contar
com a integração, opção que não era contemplada pela operação de trens. A
integração poderá ser feita entre ônibus convencionais, Stec ou mesmo com o
metrô, pagando apenas uma passagem pelo período de 2h, utilizando o Salvador
Card. Após a conclusão das obras do VLT, a integração também irá contemplar o
novo modal.
Equipes do Salvador Card estarão com promotores de vendas no
ponto de ônibus do Centro de Abastecimento de Paripe, na Estação do Trem de
Periperi e no Largo do Luso entregando o Bilhete Avulso, que pode ser utilizado
por qualquer pessoa sem a necessidade de uma identificação. A entrega será
gratuita apenas para o cartão, que custa normalmente R$5. Já as passagens devem
ser adquiridas pelo usuário.