sábado, 29 de novembro de 2014

A LÍNGUA PORTUGUESA SOBREVIVERÁ?


Em agosto de 1919, a linha-tronco da Sorocabana terminava na estação do Brejão, a oitocentos quilômetros de São Paulo e hoje chamada de Alvares Machado. Estava ela 14 quilômetros à frente da de Presidente Prudente e 42 de Indiana. Faltavam ainda 91 quilômetros para a linha chegar a Porto XV de Novembro, ou a estação de Presidente Epitácio, hoje.

Tudo o que está à frente de Indiana, hoje, ou seja, 133 quilômetros de linha, está abandonado. A concessionária ALL não a usa há anos. Mas em 1919, quase cem anos atrás, embora a linha estivesse funcionando até Brejão, parecia haver uma chefia do trecho de 42 quilômetros à frente da estação de Indiana nesta estação. Pelas notícias dos jornais da época, era em Indiana que se tomavam as decisões naquela terra ainda tomada pela selva e pelos índios... e eventuais fugitivos da justiça, além dos primeiros colonizadores que iam chegando.

Enquanto isto, em Porto Ferreira, no ramal de Descalvado da Companhia Paulista das Estradas de Ferro, a cerca de, sei lá, uns 600 quilômetros de Indiana em linha reta, um homem de 27 anos de idade chamado Sud Mennucci sustentava sua família - esposa e uma filha de um ano e meio de idade - vivendo como repórter autônomo e como professor primário no Grupo Escolar da cidade - escola que hoje leva seu nome.

Mas o que é que tem Sud Mennucci a ver com a estação de Indiana e com o assunto deste artigo que hoje escrevo?

Eu estava procurando dados sobre a estação de Indiana, inaugurada no ano anterior (1918) nos arquivos do jornal O Estado de S. Paulo e achei, na mesma página em que se publicou algo sobre a longínqua Indiana, um dos inúmeros artigos que Mennucci escrevia para diferentes jornais, inclusive o atual Estadão. O artigo versava sobre o descaso dos brasileiros com a língua portuguesa.

Li o artigo, achei interessante e notei que, enquanto a linha da Sorocabana foi degradada em grande parte nestes últimos noventa e cinco anos, o descaso com a língua portuguesa também piorou e muito. As relações são apenas estas.

O que dizia meu avô Sud neste artigo? Nada de muito diferente do que percebemos hoje. Ontem mesmo, recebi de um amigo, pela Internet (Sud não tinha esse recurso em 1919), as "pérolas do ENEM" desde ano. Já há alguns anos aparecem esses e-mails, coleções de frases escritas nesse exame nacional que serve como classificatório para a maioria das faculdades e que são frases que, de tão mal escritas, em muitas delas nem se consegue entender o que o sujeito quer dizer.

"Cei que gostaria que você passa-se o Natal em casa". Acabo de inventar a frase, mas há dois erros inacreditáveis nela e que foram extraídos das novas "pérolas do Enem". E se fossem duas pessoas? Eu "çaberia" que vocês "passa-sem" o Natal em casa? Olhem só o drama da língua portuguesa - ou brasileira, pois ela começa hoje a ser muito diferente já da original de Portugal.

Vale lembrar que, em 1919, o analfabetismo no Brasil era superior a 70%. O ensino era melhor do que hoje, mas havia falta de escolas públicas para um povo muito mais ponre, que não podia pagar por escolas particulares, que também não eram muitas. Hoje o analfabetismo é considerado oficialmente como sendo inferior a 10% (e é incrível que ainda exista), mas muitos especialistas falam que o número real pode chegar a 30%, se considerarmos as pessoas que sabem apenas assinar o próprio nome.

Esse analfabetismo de antes e de agora seriam uma das causas do nosso desapego à própria língua de nosso país? Pode ser. Porém, Sud escreveu sua opinião sem citar a altíssima taxa de então. O Brasil tinha então 25 milhões de habitantes - hoje tem 190. Na sua opinião, era a língua, apesar de tudo, a única coisa que mantinha o país coeso.

Quais seriam as outras caracteísticas que faziam com que um país fosse também uma nação e que pudesse manter a sua nacionalidade, mesmo quando ele havia eventualmente perdido sua liberdade? Sud mencionou três exemplos: a Polônia, a Boêmia (que passou, com o fim da guerra mundial, um ano antes, a se chamar Tcheco-Eslováquia ao se seprar do Império Austro-Húngaro) e a Finlândia. Todos países que não eram independentes até a eclosão da guerra de 1914-18, mas que já o haviam sido em tempos remotos e que conseguiram, duzentos, trezentos ou mais anos depois recuperar sua independência. E conseguiram-nas porque tinham em cada território uma só raça (hoje diríamos etnia), uma só língua e uma continuidade geográfica (sem separações territoriais).

Mas o Brasil não tem essa continuidade? Sud alegava que sim, mas que, como era (e ainda é) muito grande, não havia comunicações entre o Norte e o Sul (na época, somente se ia do norte para o sul por navios marítimos, fluviais, e cavalos, por péssimas estradas, quando as havia). E as etnias... bem, havia diversas etnias e raças, como as há até hoje. Era por causa disso que Sud achava que fortalecer a língua era fundamental.

Ele não falava da língua inglesa, que o brasileiro passou a adorar, principalmente a partir do estabelecimento dos Estados Unidos como modelo e como superpotência após a Primeira Guerra. Falava do francês, língua mais apreciada pelas ricas famílias da época, queiam passar férias na Europa e não em Nova York. Quanto ao inglês da Inglaterra, apesar da grande influência deles durante o século XIX, eles não tiveram por algum motivo a mesma força que os americanos tiveram no século XX.

Reparem: a grande maioria das lojas, empresas, estabelecimentos comerciais e escritórios que temos -  têm nomes ingleses, por que é "chic". Por que isto não acontece nos países de língua espanhola da América Latina, que sofrem as mesmas influências que nós? Sud não explica isto.

Porém, Sud defende que um americano, de nome John C. Branner, então Presidente Emérito da Lelland Stanford University, alertou os brasileiros sobre o problema da língua, pois os americanos começavam, com a destruição da Europa e a ascendência de Tio Sam, a inundar o mercado brasileiro com seus produtos. E preservar a língua ajudaria a preservar ao país sem ameaçar sua integridade. E era o próprio Branner que falava que os americanos eram ignorantes em relação ao que se passava fora de seu território e que se começassem a pensar em aprender alguma língua para se comunicar com a América não-inglesa, escolheriam facilmente o espanhol, pois, para eles, era tudo igual - embora Branner soubesse que o Brasil era diferente.

Precisávamos tomar uma atitude, segundo Sud:

"Para ser-se capaz de tal gesto seria preciso ter-se o orgulho da propria lingua, o amor e o respeito pelo proprio falar. Eo brasileito não o tem. Será possivel? 

Tanto o é que nós, ha muito tempo, não fizemos mais nada do que deturpar o nosso idioma. É um facto doloroso, que está ás vistas e á analyse de todo o mundo: estamos esphacelando o portuguez, com o desprezo de gente que se sente apodrecer por dentro (...)" e continuava, num texto não tão curto.

O português da transcrição é o da época. Aliás, muito mais fácil do que o de hoje, sem quase acentos, etc. As reformas ajudaram a deturpar nossa língua. Nestes cem anos houve pelo menos três. Pensem: se já havia gente que se preocupava com a deterioração de nossa língua há 95 anos, imaginem hoje...

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE X (CAMPOS NOVOS E SÃO PEDRO DO TURVO)

Campos Novos, hoje, no alto do mapa do Google Maps. Abaixo, quase numa linha reta vertical, sobre o símbolo SP-270, a Raposo Tavares, está a cidade de Ibirarema, ex-Pau D'Alho, que possuía uma estação na linha-tronco da Sorocabana e que tem uma história mais recente que a de Campos Novos, mas ligada a ele, como muitos outros municípios da região, incluindo Marília
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Começo o décimo capítulo desta série repetindo que meu avô Sud Mennucci escreveu toda a parte referente à região da Alta Paulista e terras à sua volta numa época em que havia ali poucos municípios e terras em grande parte ainda virgens, embora por muitas delas já se plantasse muito café, mesmo com a depressão de 1929 muito recente. Todas as anotações desde a parte IV devem tê-lo feito varar a madrugada no dia 1 de fevereiro de 1935 com o parecer escrito sobre os municípios da Alta Paulista. Para compreender melhor o que aqui está escrito, deve-se ler ou ter lido os capítulos anteriores, V, VI, VII e VIII e IX, especialmente este último. Neste, acaba-se de uma forma ou de outra tendo acesso às outras partes acima citadas.

Na parte de hoje, Sud dá seus últimos dois pareceres, o primeiro, sobre Campos Novos (hoje, Campos Novos Paulista), afirmando que "sempre foi motivo de desassocego das populações da zona, transformado agora em município de Pau D'Alho, fica reduzido a a superficie sufficiente, dentro de limites racionais. Não haverá mais a grita das populações sacrificadas para manter um absurdo geographico,cuja unica justificativa era a possibilidade de obter maior renda para um municipio em franca decadencia."

Campos Novos, que ganhou o sufixo "Paulista" em 1948, quando voltou a ser sede de município depois de quatro anos - em 1944 a sede havia sido transferida para Ibirarema, que era o local da estação antes chamada de Pau D'Alho. É hoje uma cidade pequena, com manos de 5 mil habitantes no recenseamento de 2010.

Ele passa em seguida a São Pedro do Turvo, último dos municipios a ser citado nesta enorme descrição da situação econômica e geográfica de uma região que englobava parte da Paulista, Sorocabana e Noroeste naquela época:

"O municipio prejudicado por esta proposta é o de São Pedro do Turvo. Temos razões para crer, diante das arrecadações de 1931 e 1832, que foram respectivamente, de 51 e 47 contos de reis, que o municipio não supporta o corte, devendo ser supprimido. Aguardamos, entretanto, as informações pedidas ao Departamento de Administração Municipal, quanto ás arrecadações de 1933 e 1934, e referente aos districtos da séde e de Caçador (nota deste autor: hoje, Ubirajara), para firmar opinião.

E o caso de São Pedro ficará para ser liquidado, dentro de algum tempo, juntamente com o estudo  da zona da E. F. Sorocabana, no trecho compreendido entre Salto Grande e Avaré, que tambem precisa e urgentemente de reorganização administrativa."

A partir do final do longo parecer, Sud escreveria, antes de emitir seu projeto de decreto que teria, como os outros, enorme influencia nas transformações que seriam feitas nesse distante ano:

"Diante do allegado, a Commissão tem a honra de propor projecto do decreto annexo. A Comissão.

O projeto escrito também seria bastante extenso e será mostrado no próximo capítulo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

DE REBOUÇAS A BARUERI

Tenho feito muito o percurso Estação Rebouças-Estação de Barueri (e vice-versa) pela CPTM. É interessante... ao mesmo tempo, algumas vezes meio entediante, pois, obviamente, a vista esterna é sempre a mesma. Afinal, corre sobre trilhos fixos.

Como me distraio muito pensando na vida, preciso muitas vezes identificar em que parte estou do percurso para saber qual a próxima estação, pois pode ser aquela em que vou desembarcar. De manhã o trem é mais vazio. De tarde, quanto mais perto das cinco e meia, mais cheio. De tarde, é quando volto a Barueri para dali ir para casa, de ônibus ou eventualmente de carro.

Embarco na Rebouças (ou Hebraica-Rebouças, nome meio forçado, já que quem desce na estação leva um bom tempo para chegar ao clube, e andando pela barulhentíssima calçada da Marginal Pinheiros - chamada de rua Hungria naquele trecho) e sigo. A primeira estação onde ele para é a Pinheiros, entroncamento com a linha 4 do metrô. Hoje, o trem chegou muito cheio a Rebouças. Fui espremido até Pinheiros, e quase fui expulso pela turba que queria sair de qualquer jeito para baldear, enquanto eu tentava me manter no trem. 

Porém, culpar quem? Se não fizerem o que fazem para sair, não sairão em tempo. Correm o risco de ficarem no trem até a estação seguinte, pois as portas não ficam muito tempo abertas. Mas eu precisava ficar dentro e estava na porta. 

De Rebouças a Pinheiros o tempo é muito curto. A pé, no máximo dez minutos, se chegar a tanto. O que se vê lá fora? À direita, os carros andando lentamente na pista congestionada da Marginal Direita. Prédios, galpões e duas pontes, uma mais antiga e baixa - a ponte Eusebio Matoso e a segunda, a ponte mais alta e nova, da rua Butantan. À esquerda, o rio Pinheiros e entre os trilhos e o rio, a pista de bicicletas mais mal cheirosa do planeta. Isto se vê da mesma forma até a estação Cidade Universitária, que é a estação seguinte.

Da estação Pinheiros a ela, a paisagem à direita é de construções diversas, prédios, galpões, antigas casas e , finalmente, uma grande praça com bela vegetação de onde sai a avenida que vai alcançar lá na frente a Praça Pan-Americana. Mais casas, a avenida Semaneiros e a ponte da Cidade Universitária. 

O trem para na estação, uma das menos movimentadas no percurso, pelo menos nas horas em que o uso. Pouca gente entra e sai. Afinal, para se chegar à CU temos de atravessar a pé a ponte , andar boa parta da rua Alvarenga até chegar à avenida Afranio Peixoto, para entrar à direita e aí entrar no campus. O trem deixa a estação. À direita, casas, galpões, ruas que chegam e saem, até chegar à avenida Arruda Botelho, cheia de prédios dos anos 1970 e 1980. Após elies, o Shopping Villa Lobos e o parque do mesmo nome - que n\'ao se consegue ver, pois ele está em nm nível bem mais alto que a linha e a Marginal.

Do lado esquerdo, a pista de bicicletas acabou na estação Cidade Universitária. Depois do parque, a linha passa sob a Marginal numa discreta curva para a direita. O rio fica mais longe. Quase debaixo dessa ponte do Jaguaré, esta a que cruza o rio, aparece a estação do Jaguaré. A partir daí, a linha fica à direita da Marginal. E, à sua direita, entre esta estação e a seguinte, CEASA, o antigo pátio da extinta estação da linha original da Sorocabana, de nome Universidade.

Nesse trecho, o pátio, muito comprido - atrás dele, a avenida Mofarrej e o próprio CEASA - é um monte de escombros, Restos de plataformas, de pequenos prédios e de trilhos - dali saíam diversos ramais que entravam no CEASA e que hoje estão desativados. Além disso, o espe´co é usado para depósito de trilhos, vagões-pranchas, às vezes até TUEs antigos, dormentes e postes de concretos... tudo a céu aberto.

Na estação CEASA, isso acaba. Depois dela, os trilhos e o trem passa entre o presídio à esquerda e prédios de apartamentos relativamente novos à direita, até chegar à linha de retorno para Imperatriz Leopoldina, usada apenas esporadicamente pelas diesels da CPTM. Logo em seguida, a ponte sobre o Pinheiros, quase na foz deste no Tietê. A ponte é de 1978 e está ao lado da ponte que vem da Julio Prestes. Ambas somente para os trens, de dentro dos quais se vê perfeitamente as Marginais esqurda, direita e o rio. Ao longe, o complexo do Cebolão.

A linha entra do outro lado do rio no meio de uma mata que divide espaço com favelas. Estas somente acabam quando chegamos ao enorme e extenso pátio de Presidente Altino. Rodamos bastante antes de chegar à estação. Ali, descemos do trem e na mesma plataforma esperamos, do outro lado, pelo que vem de Julio Prestes. A mesma linha que um dia nos levou a Bauru, Botucatu, Presidente Prudente, Presidente Epitácio, Campinas, Piraju, Itararé...

Tomo o trem da linha-tronco, geralmente cheio. Até a estação de Osasco o pátio praticamente não para - não há uma separação entre os pátios das duas estações. Antes de chegarmos à estação, passamos sob o viaduto da avenida Maria Campos, por onde corre no seu centro o córrego Bussocaba. De Osasco para a frente, a linha anda de novo num leito mais estreito, acompanhando à esquerda, separada por um muro, a velha rua da Estação, e, à direita, fundos de casas. Mais à frente, à direita, mata e ao longe. velhas casas da Sorocabana. À esquerda, passamos sob o viaduto que vem do Rochedale. A partir daí, a linha, do lado esquerdo, acompanha fundos de casas da avenida dos Autonomistas, a antiga Estrada de Itu, enquanto, do lado direito, a visão é mais ou menos a mesma, com pequenas ruas antigas.

Chegamos a Comandante Sampaio. Estação grande, no km 18 - nome do bairro ali. A linha vai acompanhar a avenida dos Autonomistas - ou os fundos de suas casas - do lado esquerdo até Quitaúna, a estação em frente ao quartel. Do lado direito, mata, boa parte dela território do quartel. Em Quitaúna, conseguimos ver a avenida dos Autonomistas e do outro lado desta, belíssimos sobrados aparentemente dos anos 1930 para os oficiais do quartel. À direita, um desvio que entra para o quartel, hoje não mais utilizado. Finalmente, quase na divisa de Carapicuíba e debaixo da pista elevada do Rodoanel, a estação do km 21 - com o nome de General Miguel Costa desde 1987, mas a que o povo ainda se refere mais com o nome antigo. Os ônibus que deixa os passageiros na avenida em frente à estação ostentam no dístico "Quilômetro 21". 

O trem parte novamente e passa por um pontilhão sobre o rio Carapicuíba, entrando no município do mesmo nome e passando entre favelas - muitas, dos dois lados, apenas em um nível mais alto. Delas, muita sujeira atirada no leito ao lado dos trilhos. Até a estação central de Carapicuíba ele acompanha ainda a estrada velha de Itu, que ali se chama Mario Covas - mas que não podemos ver. perto da estação, o leito se abre e transforma em pátio. O trem para, passageiros descem e sobem, mas o pátio continua bem largo e cheio de desvios até chegar 'a estação de Santa Teresinha, onde se vê uma enorme favela no morro do lado esquerdo, além de TUEs estacionados. Não estão abandonados, mas é um ponto de estacionamento.

Segue o trem até cruzar o rio Cotia, divisa dos municípios de Carapicuíba e Barueri. Passa debaixo de um viaduto novo que liga o bairro da Aldeia em Barueri ao outro lado da linha e da estrada de Itu, que ali se chama rua Anhanguera. Chega a Antonio João, praticamente ao lado do novíssimo Shopping Center Barueri, mas a estação é a mais feia da CPTM - um verdadeiro estribo, com pouquíssima cobertura para uma plataforma comprida. Ali o trem para no meio das duas plataformas, por onde os trilhos passam - é a única estação ali em que isso acontece.

A partir de Antonio João, à direita, várias construções novas. À esquerda, mata. A rua Anhanguera está afastada. Somente volta se juntar à linha na estação de Barueri, onde desço. Do lado direito, o centro da cidade. O antigo largo de São João, o "jardim público", como se costumava chamar, virou um estadionamento coberto para ônibus, enfeiando o local. Desço, saio no terminal de ônibus e sigo até pegar meu carro para ir para casa. Isso quando estou de carro. Se não, tomo o ônibus ali mesmo.]]Tudo isso vale a pena. Sem trânsito, sem dirigir, sem risco, sem pedágio, sem desgaste do carro nem gasto de combustível.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

VINTE E CINCO DE NOVEMBRO

Angélica, foto c. 1915 - sentados, meus bisavós, pais dela. Em Porto Ferreira
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Eu já escrevi aqui que conhecia muito bem a árvore genealógica de minha família, principalmente dos Silva Oliveira (a família derivada de meus bisavós portugueses, Daniel de Oliveira Carvalho (1846-1928) e Constança da Silva Oliveira (1896-1932)), que se casaram em Porto Ferreira, SP, antes que se conhecessem um ao outro.

Por procuração, Daniel e Constança casaram-se em 1885, Daniel como noivo e um irmão de Constança como noiva por procuração. Constança chegou somente algum tempo depois, de navio, vinda de Portugal.

Já eram pais em 1886. Em 1916, tiveram seu décimo-terceiro e último filho (Flávio, 1916-1982). Um deles, ou melhor, uma delas, a quinta filha, foi Angélica Carvalho de Oliveira (a única que não tinha o sobrenome Silva Oliveira, sabe-se lá por que). Nascida em 1897, como todos os irmãos e irmãs em Porto Ferreira, formou-se (também como todos os outros irmãos, menos uma, que morreu bebê, a misteriosa Madalena) professora primária na Escola Normal de Pirassununga.

Madalena foi a sétima filha. Viveu dezessete dias, Nasceu em 1899 e morreu em 1900. Viveu em dois séculos (bom, a não ser que se considere a forma castiça de se designar o século, que começa sempre no final 1 (2001) e termina com final zero (2100)). Nada praticamente se sabe de Madalena, a não ser que morreu. De que? Por que? Por que o tabu nas histórias de família de se falar destes casos?
Casa da rua Vergueiro 2024, (a da esquerda, que não tinha garagem mas jardim e tinha uma escadaria do portão ao primeiro piso, que não aparece na foto). Pouco antes da demolição, em 1969. O casal sobre a garagem da casa vinha eram... os vizinhos
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Enfim. Angélica casou-se em 1916 com Antonio Siqueira de Abreu, num casamento em Porto Ferreira duplo: no mesmo dia e local, mais um irmão, Joaquim da Silva Oliveira, casou-se com Deolinda Bergström Lourenço, gerando a família Lourenço de Oliveira. A festa deve ter sido grande. Considerando-se que, na época, a cidade não chegava a 3.000 habitantes de população, a foto da feta com todos os presente, tirada em alum quintal, seja lá urbano ou rural, é muito significativa.

Siqueira - era assim que todos os chamavam - também era filho de portugueses e era de São Simão, SP, não muito longe do "Porto". Era universitário, formado em Farmácia e em Odontologia. Angélica e Siqueira foram morar ali. Não tiveram filhos. Não conseguiram, segundo se contava. Tornaram-se os "tiozões", os célebres segundos pais de todos os sobrinhos.

Tio Siqueira (Que eu conheci muito bem) e tia Angélica (idem), moraram em São Simão até cerca de 1939, quando por problemas políticos - Siqueira foi prefeito lá em meados dos anos 1930 - resolveram deixar a cidade e vir para a Capital, onde estavam morando praticamente todos os irmãos de Angélica, sobrinhos etc. Angélica era diretora do Grupo Escolar de São Simão. Foi transferida para outro Grupo em São Paulo, mas não foi esse o motivo de terem se mudado.

Não sei se Siqueira continuou a ser dentista em São Paulo. Desde que me lembro deles, estavam aposentados já (meados de 1955). Havia três festas anuais para eles. Uma, a 11 de agosto, aniversári de Siqueira. Outra, a 25 de novembro, aniversário de Angélica. E outra, talvez esta a mais tradicional das três, o seu aniversário de casamento - 28 de setembro. Eu fui praticamente a todas elas. Era impossível não ir, salvo se estivesse viajando, ou doente. Numa dessas festas, a do casamento, Siqueira chegava à casa de Maria - esta festa era sempre feita na casa da irmã de Angélica, minha avó, e dizia, com as mãos para o alto: "O Sud está aqui!" Isto passou a ser dito na primeira festa dada depois da morte de meu avô Sud, marido de Maria, em julho de 1948.

Era fantástico. A família praticamente inteira comparecia. Imagine-se os descendentes de doze irmãos (fora Madalena a própria Angélica e Lollio, que morreu solteiro com vinte e poucos anos e era músico). Lollio era um retrato na parede. E uma ou outra história já muito antiga, já que ele morrera pelo menos trinta anos antes de meu nascimento.

Hoje é 25 de novembro, fez-me lembrar de uma dessas festas - a do aniversário de Angélica. Incrível como, depois de vinte e um anos de sua morte (em 1993 - Siqueira faleceu em 1977), ainda possa me bater na memória não somente essa data, quanto as outras duas. Eram realmente pessoas muito amadas.

Finalmente, para constar: depois de casados, moraram em São Simão em endereço para mim desconhecido - mas tenho foto da casa, sei que era de esquina e de fundo para o córrego do vale, hoje uma avenida. Em São Paulo, moraram na Vila Romana (rua Guaicurus, 77, casa que não conheci, mas que até uns trinta anos atrás ainda existia, tendo sido depois derrubada), depois na rua Vergueiro 2024 (esplêndida casa, demolida pelo metrô, ficava a meio quarteirão do largo Ana Rosa e se fosse hoje reconstruída no mesmo local, ficaria no meio da pista direita da rua - que na época era estreita, pista única, mão única sentido cidade, cheia de ônibus que faziam o segundo andar da casa balançar, pois o que separaca o primeiro do segundo piso eram travas de madeira com assoalho de tábuas). De lá mudaram-se em 1969, para a rua Nicolau de Souza Queiroz (o número não lembro, mas parece que a casa ainda existe), quase em frente à rua Apeninos. Nesta casa morreu tio Siqueira. Ou já teria sido na casa seguinte? Não consigo me lembrar exatamente.

Com isso, tia Angélica mudou-se para uma casa na rua Ambrosina de Macedo, 51, muito próxima à rua Cubatão. Ficando doente sem poder mais andar devido a uma queda em idade avançada, Angélica mudou-se para a casa de minha avó Maria, sua irmã, na rua Maracaju, 58 - a meio quarteirão da casa da Ambrosina. Morreu ali com 95 anos em 1993.

Saudades deles. Muitas.


domingo, 23 de novembro de 2014

LEITURAS QUE ORGULHAM


Nos anos 1940 as Edições Melhoramentos publicaram uma coleção de livros para um público mais infantil e juvenil: Viagem através do Brasil, escrito por Ariosto Espinheira. Algo bem diferente do que se escreve hoje. O autor (suponho ter sido quem escreveu) viajou pelo pa[is inteiro de trem, avião, de automóvel e ia descrevendo as cidades e povoados por onde passou, citando o que ele considerava as maravilhas desses locais. Não havia fotografias no livro - somente desenhos, bem feitos pelo próprio escritor. A exceção era a capa, feita pelo famoso e excepcional Belmonte, aquele que foi considerado "perigoso elemento da mídia inimiga" por nem mais nem menos do que Herman Goering.

Tenho uns três livros dessa coleção. Um deles é do Paraná. Eram outros tempos. Na primeira metade da década de 1940, era tempo de ufanismo (forçado ou não, você decide) com o Estado Novo de Vargas. Aliás, curiosamente, os livros não têm citados neles uma data sequer - no caso do Paraná, sabe-se que é dessa época por causa do mapa que há no livro, das estradas de ferro e estações que ele cita e de alguns outro comentários.

O que se faz muito claro, no entanto, nesses livros, é que se cita somente o que há de bom e de bonito. Conta-se a história do Estado e das regiões, das cidades, sem entrar em polêmcas de o por quê de esses fatos terem acontecido. Bastante agradável de se ler. Muitas impressões escritas de dentro do carro, do avião e do trem, além, claro, de passeios a pé pelas cidades maiores.

Enfim, tentava-se fazer o aluno gostar e admirar seu país, em vez de discutir o papel de diversas figuras históricas, se eram boas ou más, assassinas ou não, maus ou bom governantes. Faço este comentário não pensando exatamente em achar ótimo que escondam determinadas verdades, mas sim pelo fato de que hoje em dia é comum achar-se qualquer herói ou governante brasileiro do passado necessariamente bandos de canalhas. Afinal, todos fizeram coisas boas e más, intencionalmente ou não.

Hoje consideramo-nos uma nação - aliás, discutimos até se somos ou não uma nação - de bandidos, canalhas, efedepês, e ainda por cima começamos a culpar a n'so próprios por isso.

Temos um governo federal ruim, sim. Porém, isso não significa que eles somente errem ou somente façam coisas de interesse maior a eles do que ao povo. Também não significa que a oposição seja um bando de santos. O artigo que li na Folha de S. Paulo de 21 de novembro último faz isso: diz que a origem das falcatruas que ora ocorrem na Petrobras e em várias outras obras do governo tenham origem no fato de que todos nós roubamos uma borracha no escritório onde trabalhamos.

E mesmo se isso fosse absolutamente verdadeiro, não se pode dizer que roubar uma borracha do escritório se compare aos milhões de reais desviados recentemente dos cofres do governo. Aliás, não só recentemente, pois a coisa vem de muito tempo, de governos anteriores, de séculos.

Alguns pequenos trechos no livro: página 3 - "Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! - Olavo Bilac." Página 18 - "Podemos apreciar os belos aspectos oferecidos pelo rio Nhundiaquara, que banha Morretes". Página 27: "Apreciem o belo aspecto desta região, com suas colinas cobertas de vegetação campeira, capões isolados, dos quais se destaca aquele acolá, formado só de pinheiros gigantescos. Página 92 - "Este guerreiro, vencedor de muitas guerras, era noivo de uma jovem selvagem de nome Iaíra. Certo dia, Piãnaçu partiu para a guerra e não voltou mais. Morrera em combate."

Que voltem os livros "ufanistas" e com boas notícias. Que nossos jovens aprendam a vida vivendo-a, e não lendo Mesmo porque história é história - sujeita a erros e interpretações.

sábado, 22 de novembro de 2014

O FINAL DA E. F. BRAGANTINA EM 1967

Folha de S. Paulo, 22/6/1967
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A Bragantina, introduzida em São Paulo a partir da estação de Campo Limpo em 1884, levava inicialmente trens até a estação de Bragança Paulista, um município que naquela época tinha muito mais importância para o Estado do que tem hoje.
Folha de S. Paulo, 22/6/1967
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Situado na divisa com Minas Gerais, era relativamente próximo à capital paulista. Porém, com a ferrovia saindo da São Paulo Railway quase junto a Jundiaí, obrigava os viajantes que queriam fazer uma volta de cerca de 120 quilômetros, fora a baldeação (eram ferrovias de diferentes donos e com bitolas diferentes - a Bragantina era métrica e a SPR, de 1,60m), viagem esta que, em linha reta, ou mesmo com as estradas da época, tinham cerca de 80 quiilômetros, passando pela zona norte da Capital.
Folha de S. Paulo, 22/6/1967
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Em 1903, a Bragantina foi comprada pela São Paulo Railway, como uma medida para tentar (e conseguir) barrar as intenções da Mogiana de construir a linha que ligaria Amparo a Santos. Isto não fez com que a empresa inglesa igualasse a bitola ou melhorasse a via, mas por outro lado, acabou fazendo a estrada ser prolongada de Taboão a Vargem (cidade encostada à fronteira mineira). A estação de Taboão, que tinha o nome de Bragança, mudou para o de Taboão e foi construída uma nova para a cidade, mais próxima ao  centro do muncípio. Além disso, construiu-se um ramal que saía de Caetetuba a Piracaia, passando por Atibaia. Isto tudo foi consolidado em 1913 e 1914.
Folha de S. Paulo, 20/6/1967
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Em 1946, a SPR foi entregue ao Governo Federal e a Bragantina foi comprada pelo Estado de São Paulo e posta sob administração indireta da Sorocabana. A partir daí, a ferrovia, cheia de curvas e com os mesmos defeitos do seu início, começou a baixar seu movimento de forma que a tornaria rapidamente deficitária.
Folha de S. Paulo, 19/6/1967
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A conclusão do trecho paulista da rodovia Fernão Dias no início dos anos 1960, passando ao lado de Bragança Paulista, acabou esvaziando demais as cargas e os passageiros da já octogenária Bragantina.

Folha de S. Paulo, 18/6/1967
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O governo, através da imprensa, desde o final dos anos 1950, sempre deixava bem claro que o final de operação da Bragantina era apenas uma questão de tempo.

Finalmente, em janeiro de 1967, o ramal de Piracaia foi desativado. Quatro meses depois, em maio, o trecho entre Bragança e Vargem foi extinto. O restante (Campo Limpo-Bragança) foi suprimido apenas um mês depois. O curioso foi a atitude do governo de fazer um plebiscito na cidade perguntando a preferência da população, que disse "não" à supressão. Mesmo assim, o governo fechou a linha e apenas alguns dias depois.
Folha de S. Paulo, 18/6/1967
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Como a maioria das ferrovias brasileiras, ela deveria ter sido modernizada com o passar do tempo. Não o foi. Hoje o que se vê são estradas de rodagem lotadas de caminhões, ônibus e automóveis e que levam para os mesmos lugares para onde o trem ia: a via Anhanguera, a estrada Velha de Campinas e a Fernão Dias, que liga a capital a Atibaia, Bragança e Belo Horizonte.

A Folha de S. Paulo, em suas edições entre os dias 18 e 22 de junho de 1967, publicou uma série de reportagens acompanhando o final das viagens e a decepção dos bragantinos, tanto dos usuários quanto dos ferroviários. Apesar da qualidade baixa das fotografias, que aqui foram reproduzidas, podem se ver imagens da época. Os locais não foram identificados pelo jornal. Apenas há uma cena externa da estação de Bragança que se sabe que é lá, pois o dístico do prédio é mostrado. Era um prédio de 1913. Foi derrubado logo depois. Ficava mais ou menos no centro da cidade.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

TRÊS VIVAS A JUIZ DE FORA, MG


Um forasteiro como Gutierrez Lhamas Coelho esteve em visita a Juiz de Fora há alguns dias atrás e registrou o que graças a Deus está se tornando rotina em diversas cidades espalhadas pelo país inteiro: ao restauro, pelo menos da fachada, às vezes de casarões inteiros, que voltam a ter sua harmonia arquitetônica preservada, mesmo em cidades pequenas.

Juiz de Fora, que, por incrível que pareça, não conheço pessoalmente, embora tenha diversas fotos antigas e novas e até parentes que lá vivem, merece isso. E está longe de ser uma cidade pequena. Na Zona da Mata Mineira, de forte influência histórica carioca e fluminense, pelas fotos mais antigas que tenho visto não se preocupava muito em manter seus casarões.

Vamos torcer para que isso continue acontecendo para termos um país visulamente mais agradável, em vez de ficarmos vendo a favelaiada comer solta, bem como armazéns que parecem caixotes de alvenaria, sem nenhum glamour.

Fora, claro, as muralhas de prédios cada vez mais altos.

Algumas das fotos enviadas a mim por Gutierrez são mostradas aqui. Vale sempre lembrar que Juiz de Fora tem duas estações ferroviárias principais: uma era da Central do Brasil e outra, da Leopoldina. Fora, é claro, estações secundárias que funcionaram até 1996, servindo ao sempre lembrado trem Xangai, um trem de subúrbio que jamais deveria ter sido desativado. Um erro histórico que ainda pode ser corrigido, mas que não parece haver vontade alguma para isso por parte dos prefeitos e Câmara locais. Esses prédios estão todos na praça da estação.

Mais sobre a Juiz de Fora ferroviária pode ser visto aqui.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

OS ESTRIBOS DE SÃO ROQUE E MAIRINQUE

Parada Marmeleiro - foto Ricardo Koracsony
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Durante algum tempo - a questão é saber: quando? - a Sorocabana e/ou a FEPASA e/ou a CPTM estenderam sua linha de trens de subúrbio (hoje, bem melhores, chamados de trens metropolitanos) que correm na que um dia foi a linha-tronco da Sorocabana - que ligava São Paulo, na estação Julio Prestes, à estação de Presidente Epitacio, às margens do rio Paraná e a mais de oitocentos quilômetros de percurso - entre Julio Prestes e Mairinque, numa distância de sessenta e nove quilômetros.
Estação de Mairinque - foto Ricardo Koracsony
A Sorocabana teria iniciado seus serviços de subúrbios em 1922, parando nas poucas estações que havia naquele tempo (São Paulo, Presidente Altino, Osasco, Barueri e Cotia, que hoje é Itapevi) e, com o tempo, aumentando tanto o número de estações nesse percurso quanto o próprio tamanho do trajeto, chegando até Amador Bueno (inicialmente chamada de Fernão Dias) e posteriormente até Mairinque. Durante todos esses anos, houve trocas de composições, carros de madeira, de ferro, de aço, trens maiores (até três anos atrás eram doze carros, hoje são oito por composição) e também de ponto final: Amador Bueno ou Mairinque e, eventualmente, trens durante o dia que iam até determinada estação e voltavam, mas nunca para além de Mairinque.
Parada 46 - foto Ricardo Koracsony
Por isso, os guias mostram trens com horários e extensões as mais diferentes possíveis, dependendo da época.
Parada 50 - foto Ricardo Koracsony
A última vez que eles foram para Mairinque teria sido em 2000, segundo alguns, 1998. segundo outras fontes, ou mesmo antes. E a volta deles a Mairinque é reclamada por muita gente. Recentemente reformaram o trecho Itapevi-Amador Bueno, mas a linha para Mairinque continuou às moscas.
Parada Cinzano - foto Ricardo Koracsony
Hoje, e já faz pelo menos uns seis meses, a linha além Amador Bueno e até Mairinque está coberta de mato  Nem cargueiros da ALL estão mais usando o trecho; somente após Mairinque é que eles estão circulando e, dependendo do trecho, com maior ou menor frequência até Presidente Epitacio.
Estação de São João Novo - foto Ralph Giesbrecht
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Enfim, falei tudo isto para mostrar que havia, além das estações oficiais da ferrovia, pelo menos quatro paradinhas vagabundas e feitas "nas coxas" (os chamados "estribos") das quais até poucos anos pelo menos três ainda tinham sua estrutura ao lado da linha. Como o acesso a elas é difícil por carro ou a pé pelos trilhos, além da região ser perigosa, são pouco documentadas. São as paradas Cinzano, 46, 50 e Marmeleiro.
Estação de Gabriel Piza - foto Ralph Giesbrecht em 1998
Todas elas ficam - ou ficavam - além de Amador Bueno (que está no km 42) e Mairinque, no km 69. A ordem, se funcionasse um trem metropolitano nesse trecho hoje, seria Amador Bueno - 46 - São João Novo - 50 - Mailaski - Cinzano - Gabriel Piza - São Roque - Marmeleiro (64) - Mairinque.
Estação de Gabriel Piza - foto Ralph Giesbrecht em 2010
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A Cinzano atendia à fábrica da Cinzano, ali perto. A Marmeleiro atendia uma pedreira, com desvio que para ela seguia. Das paradas sem nome, 46 e 50, não se têm maiores informações.

Das estações desse trecho, todas estão de pé, com exceção de Gabriel Piza, isolada e em ruínas. . Em qual período de tempo? Depois de 1985, quando reformaram os Toshibas e as estações e suas plataformas? Ou antes? Enfim, desde quando existiam essas paradinhas?

A questão, para mim, é saber quando estas estações funcionaram.

Que volte o trem para Mairinque, urgente e com estações decentes.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

EFS: RAMAL DE SÃO PEDRO E SEU CHORADO FIM

Uma das raras fotos da estação de São Pedro, demolida logo após o fechamento da linha
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O ramal de São Pedro da Sorocabana, quase todo ele construído pela Companhia Ytuana entre 1874 e 1892, sempre foi um dos piores ramais em termos de manutenção.

Especialmente depois que a Paulista anunciou que iria construir o seu próprio ramal até Piracicaba partindo de Limeira em 1901 (mas acabou não o fazendo) e principalmente depois que ela acabou fazendo-o, mas a partir de Nova Odessa entre 1917 e 1922 (Nova Odessa-Piracicaba, com apenas 42 quilômetro e em bitola larga), a Sorocabana parece ter "largado a m"ao",

Porém, o ramal desta vinha de Jundiaí, e em Itaici bifurcava-se para Itu e Mairinque de um lado e Piracicaba e São Pedro em outro, mais longo que o da Paulista, mas por um trecho bem diferente, e isto a ajudava a manter o ramal, digamos, de forma satisfatória (para ela, enquanto os clientes reclamavam).

O ramal ligando Itaici a Piracicaba ficou pronto em 1877. O trecho seguinte, até São Pedro, somente em 1892. Isto fez com que o último trecho fosse o menos lucrativo, pois São Pedro não era o que se podia chamar de boca de sertão. Então, o que predominava ali era cana de açúcar e... passageiros.

A linha era cheia de curvas e de aclives, o que dificultava o transporte. A Sorocabana estava louca para se livrar dele, depois de um certo tempo. E fê-lo no final de 1966, apesar de, nos anos 1940, o ramal para São Pedro ter apresentado alguns sinais de recuperação. Que, aliás, não duraram muito: as reportagens sobre viagens a São Pedro e Águas de São Pedro (Este, o menor município do Brasil, incrustado no meio do município de São Pedro, mas sem um metro de linha férrea) já nem falavam da linha férrea depois de um certo tempo, com o trem ainda em funcionamento. Mesmo uma estrada ruim e sem asfalto era mais interessante - atualmente a SP-191. O ramal até Piracicaba manteve-se para passageiros até 1976 e para cargas até os anos 1980.

O prefeito de São Pedro em 1966 e 1967 não se conformou com o fechamento, que teria sido decidido cinco anos antes, por decreto, mas postergado, "empurrado com a barriga". E as alegações dele junto ao governador Laudo Natel podiam ser consideradas, digamos, bastante razoáveis. Edições do jornal O Estado de S. Paulo do final de 1966 e início de 1967 mostram isto:

Em outubro de 1966, o prefeito da cidade enviou um telegrama a Laudo Natel, perguntando por que ele havia desativado o ramal (quando, exatamente? - nota deste autor) por um decreto de cinco anos antes (1961) sob a alegação de deficit., afirmando que "deficit, se não levarmos em conta o bem coletivo, também dá a polícia, dão as escolas e todas as repartições mantidas pelo Estado. O deficit do ramal é muito relativo, pois, não levando em conta o movimento das estações de Barão de Rezende, Costa Pinto, Recreio e Paraisolandia, a estação de São Pedro despachou este ano mais de 40.000 toneladas de cana. Finalizando, aqui deixo minha desilusão por tudo e por todos". (O Estado de São Paulo, 30/10/1966). A resposta do governador demorou dois meses e foi dura: no início do ano de 1967, o governador, que deixaria o cargo pouco tempo depois para ser substituído por Abreu Sodré, enviou ordem para o prefeito de São Pedro, comunicando "a demolição urgente de barracões, casas e linha telegráfica (da ferrovia)". O prefeito, indignado, respondeu ao governador que "isto isolaria São Pedro das demais cidades do Estado e que tal pressa evidenciava o desejo de prejudicar a região, pedindo a Laudo Natel que reconsiderasse a decisão de eliminar o ramal de mais de setenta anos de idade e que ele, prefeito, não acreditava fosse deficitário". Desafiou ele o governador: "por que v. exa. não adapta os barracões para escolas primárias? Por que v. exa. não os atribui à Sociedade São Vicente de Paula a fim de abrigar a pobreza? O nosso Grupo Escolar está caindo aos pedaços e a pobreza (sic) São Vicente está desabrigada". E finalmente, pedia provas de que na Ituana existisse trechos mais movimentados do que o Piracicaba-São Pedro. 

Não parece ter adiantado. Acabou mesmo. Mais detalhes podem ser vistos aqui.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

BEBEDOURO, SP: TREM NÃO PASSA... MAS CUIDA-SE PELO MENOS


Enquanto os trens não voltam - se é que um dia vão voltar - a estação de Bebedouro, que como estação não serve mais há muito tempo, está muito bem cuidada e servindo como museu.

Por um lado é ótimo - o prédio se mantém - mas o fato de não ter mais seu uso original mostra o quanto retrocedemos considerando os trens e ferrovias como algo ultrapassado.

Ultimamente, surgem algumas notícias, mas são apenas em termos de melhoria de trens metropolitanos e de instalação de bondes modernos urbanos, chamados hoje de VLTs.

Os trens de passageiros de longa distância continuam desprezados. As rodovias continuam cheias de tráfego e de acidentes.

Enquanto isto ocorre por aqui, notícias como a expansão e melhoria dos trens na Europa e na China e Japão continuam chegando todos os dias. Países evoluídos, não? Não só mantiveram seus trens de passageiros, como ainda os incrementaram em todos os sentidos.

Enquanto isto, nossas ferrovias viram museus, somente algumas, e dessas algumas, muito poucas são bem feitas e duram mais do que se espera.

As fotos foram-me enviadas ontem por Silvio Rizzo, que mora em Ribeirão Preto, SP.

domingo, 16 de novembro de 2014

A ESTAÇÃO DE VICTORIA DA EFS, CENTRAL DE DESASTRES

Estação de Vitoriana (ex-Victoria) em 2011. Foto Daniel Gentili
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A localidade de Vitoriana, um distrito pouco habitado e afastado da sede do município de Botucatu, já foi um ponto importante da ferrovia Sorocabana entre os anos de1888 e de 1954.

A linha, que buscava o centro de Botucatu para dali seguir para a promissora aldeia de Bauru (e também para a foz do rio paranaense Tibagy no Paranapanema), chegou a Victoria, nome original da estação em 1888.
Mapa da região, desenhado durante a revolução de 1924, quando os revoltosos fugiram de São Paulo
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Na mesma época, a Sorocabana havia ganhado a sua batalha de Pirro: conseguiu ficar com as linhas da Ytuana que vinham de Piracicaba por navegação fluvial através do rio Piracicaba e depois do Tietê, depois de longa batalha jurídica advinda dos famosos "direitos de zona" e ficou com as linhas férreas da concorrente que vinham de Porto Martins, no Tietê, e seguiam até a estação de Igualdade e São Manuel.

Porém, as linhas, além de terem bitola diferente (0,96 m contra um metro das da Sorocabana), eram mal construídas e teriam de se unir com as desta última, que estavam chegando ao mesmo ponto na mesma época. Isso significava altos custos não previstos para uma empresa que já não estava bem das pernas. Finalmente, em 1892, quebrou. Daí surgiu a CUSY (Companhia União Sorocabana-Ytuana), que viveu um longo período de dificuldades até ser adquirida pelo governo paulista em 1905.

Victoria acabou sendo a estação escolhida para juntar-se às linhas da Ytuana. Isto fez do lugarejo um entroncamento. O nome parece não ter sido nenhuma homenagem à rainha Victoria da Inglaterra, nem aos feitos da Guerra do Paraguay, mas, sim, à própria vitória jurídica contra o rival.

Mas as linhas, nem de uma ferrovia, nem de outra, eram maravilhas. Acidentes nas linhas próximas a Victoria não eram incomuns. O primeiro relatado ocorreu meses depois da inauguração do trecho Alambary-Victoria. No fim de novembro de 1888, houve um descarrilamento em Alambary, fazendo os passageiros pernoitar ali (outro lugarejo; pergunta-se: onde se enfiava esse pessoal?). Em 4 de dezembro, outro, perto de Piramboia, onde um dos carros rodou fora dos trilhos por mais de duzentos metros, sem também deixar mortos. Os dois foram relatados pela diretoria da ferrovia como "falhas do pessoal da manutenção".
Estação de Alambary (hoje Piapara), em 2002 - Foto Adriano Martins
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Outros desastres devem ter acontecido. Dois foram reportados e "descobertos" por mim na imprensa. Um em 1929, quando um acidente com um trem cargueiro matou o maquinista bem próximo a Victoria e outro em 1948, quando o trem noturno N-5 da Sorocabana sofreu dois descarrilamento seguidos mataram uma pessoa no primeiro, próximo à estação de Oiti, e, seguindo viagem mais rapidamente depois de conseguirem realinhar o trem nos trilhos, quase em Victoria outro carro de segunda classe descarrilou, gerando mais pânico e tentou incendiar a composição.

Em 1954, com a entrega da linha nova entre Conchas e Botucatu, que mudou totalmente o traçado entre as duas cidades, Victoria, que já se chamava Vitoriana desde 1945, foi desativada, junto com o ramal que seguia para Porto Martins.

De lá para cá, Vitoriana pouco cresceu. A estação, construída no mesmo estilo das estações erigidas por volta de 1911 na ferrovia (como Itararé, Angatuba, Luiz Pinto, Indaiatuba e Piapara, novo nome de Alambary), hoje funciona como escola. Bem conservada, perderu no entanto toda a cobertura da plataforma e seus dois blocos estão separados. Trilhos, claro, foram retirados logo após a desativação já há 60 anos.


sábado, 15 de novembro de 2014

A HISTORIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE IX (CABRÁLIA PAULISTA E PIRATININGA)

Cabralia Paulista hoje (Google Maps) não tinha nem 4.500 habitantes em 2010
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Como já falei, meu avô Sud deve ter varado a madrugada no dia 1 de fevereiro de 1935 com o parecer escrito sobre os municípios da Alta Paulista. Para compreender melhor o que aqui está escrito, deve-se ler ou ter lido os capíyulos anteriores, V, VI, VII e VIII, especialmente este último.

Nesta nova parte, ele fala sobre o então ainda distrito de Cabrália, hoje Cabrália Paulista. Há mais um artigo recente que deve ser lido também, escrito depois do VIII, mas que não fazia parte do parecer, e sim contava a história da linha que passava por Cabrália e que foi a causadora do seu progresso e depois da sua decadência. No parecer, Sud escreve que

"Junto ao processo, ha um bem fundamentado pedido dos moradores do districto de paz de Mirante, cuja estação, na Paulista,  se chama Cabralia, pleiteando a sua elevação a municipio, desmembrando do de Piratininga.

O districto arrecadou em 1934, 74 contos de reis e  ascensão de suas rendas, mostra que neste anno ultrapassará os 80 contos.

De accordo com o Codigo dos Interventores, ainda em vigor, não seria possivel conceder-lhe a regalia; mas Mirante annexa o pedido dos moradores do districto de paz de Bandeirantes, do municipio de Agudos, reclamando a sua annexação ao novo municipio a criar-se. E o mesmo fazem os habitantes do bairro do Limoeiro, proximo á aquelle.

Bandeirantes e Limoeiro ficam na contravertente do espigão da Conquista e distam cerca de 18 Kms de Cabralia, quando distam, respectivamente, mais de 60 e mais de 50 Kms de Agudos. O desejo de pertencer a Cabralia é, pois, legitimo,desde que é esta estação e este povoado o ponto de suas transações comerciaes.

Ora, feita esta annexação,  que se impõe Cabralia terá mais que os 100 necessarios á sua elevação a municipio. Por isso, decidiu a Commissão fazer a proposta."

Sud segue falando agora sobre o municipio de Piratininga, no mesmo parecer.

"Piratininga - O espirito de equidade leva ainda a Commissão a propor uma rectificação de divisas a favor de Piratininga. Tirando-se-lhe Cabralia, embora não se haja dado a este novo municipio um palmo de terra a mais do que  tinha no districto de paz, Piratininga fica desfalcada, reduzida a pouco mais dos cem contos annuaes necessarios para manter-se.

Mas o exame das suas actuaes divisas revela que Agudos, municipio enorme, avançou  excessivamente para os lados de Piratininga e que emquanto a faixa lindeira, dos lados desta, não alcança uma legua, é de mais de tres para as bandas de Agudos, e as divisas de Agudos se prolongam encostadas a Piratininga, de maneira a constranger a esta fora de toda a proporção. 

Propuzemos, portanto, uma rectificação compensadora, que leve a jurisdição de Piratininga até o rio Turvo, alcançando  pontos que estão a distancias mais proximas de Piratininga que de Agudos."

Sud ainda continua o parecer falando de Campos Novos e de São Pedro do Turvo. Aí ele o finda e passa a emitir os projetos de leis que alterariam toda essa região, segundo ele, para melhor. Terá esmo sido melhor? A realidade hoje, oitenta anos depois, é bastante diferente. É o que veremos em próximos artigos sobre este assunto.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SESSENTA E TRÊS ANOS: UMA VIDA

Ontem fiz sessenta e três anos de idade. Muito, né?

Eu sempre fui uma pessoa que conhecia a família que tinha. Quando digo "conhecia", refiro-me ao fato de ser a família inteira. Ou, pelo menos, queria saber quem eram. Sabia, desde os nove, dez anos de idade, praticamente toda a árvore genealógica da família de minha mãe. A da minha avó materna era enorme e facilitava o fato de que em todos os aniversários dela (17 de julho) e de sua irmã Angélica (a tiozona de todos, que não teve filhos - 25 de novembro), além do aniversário de casamento desta mesma tia (28 de setembro), eram comemorados na casa de minha avó na Vila Mariana (às vezes na casa de minha tia), por causa de meu avô Sud, que sempre ajudou a todos e mesmo depois de sua morte então, as festas foram na casa dele, até a morte de minha avó (1987).

Já a família de meu pai eu conhecia pouco. Claro que conhecia os irmãos dele e meus primos, mas indo para a parte de meus tios-avós, era mais difícil. A família de minha avó paterna estava em grande parte em Joinville e a de meu avô, espalhada por Minas Gerais e Rio de Janeiro; poucos moravam em São Paulo.

Mesmo assim, fazia o possível. Alguns, conheci somente como quadros na parede. Meu próprio avô, do qual acabei sendo biógrafo (Sud Mennucci), era um quadro na parede, como o eram também tios, primos, bisavós e até trisavós.

Quando nasci, em São Paulo (13 de novembro de 1951), o que acontecia pelo mundo? O jornal O Estado de S. Paulo mostrava em sua primeira página uma conferência nas Nações Unidas, cuja relação dos ocidentais com os russos era difícil por causa da Guerra da Coreia, que comia solta. Na Argentina, Peron acabava de ser reeleito presidente e Evita ainda estava viva. Os egípcios bloqueavam a guarnição britânica no Canal de Suez. O porto de Alexandria estava paralisado. Na Inglaterra, o rei George VI convalescia nos jardins do palácio, mas ele morreria poucos meses depois, já em 1952. Truman e Churchill encontrar-se-iam em janeiro em Washington. Só se falava em guerra, mas a Segunda Guerra já havia acabado havia seis anos.

Eu fui crescendo - em 1956, fui para os Estados Unidos com meus pais, onde passamos um ano, por causa de um curso que ambos fizeram, Eu fui para o Kindergarten em Urbana, Illinois. Disso eu já me lembro, e de mais muita coisa.

Em 1958, entrei no primeiro ano primário do Colégio Porto Seguro, base da minha vida. Eu sempre gostei de lá, onde passei boa parte dos meus onze anos seguintes. Meus maiores amigos são gente de lá.

Sempre gostei de "fazer anos" com festinhas em casa. Alguns colegas vinham de carro com meu pai - que me buscava todos os dias na escola na Praça Roosevelt no seu Studebaker 51 (mais tarde, nas duas Kombis que ele teve em seguida) - para almoçar e participar mais cedo da festa. Eu ganhava presentes, que punha sobre a minha cama. Eu apertava os embrulhos - se eram duros, eu os abria, pois certamente eram brinquedos. Se eram moles, eram certamente roupas, que eu largava lá sem abrir mesmo.

O dia de meu aniversário foi sempre esperado com alguma ansiedade por mim. Apesar disso, no ano de 1988, nesse dia morreu um de meus maiores amigos do Porto Seguro: Roland Müller, fato que, por diversas razões, fiquei ciente apenas quatro meses depois.

Em 1962, com a Copa do Mundo, comecei a não somente gostar de futebol, mas a ser fanático por ele. Antes disso, não sabia de nada do assunto. Minha mãe me pôs em escola de dança (Poças Leitão, na rua Joaquim Floriano), aulas de ginástica na ACM (rua Nestor Pestana), piano (em casa), jiu-jitsu (na rua da Consolação) e me forçava a ler livros. Nunca adiantou, Durei pouco nos cursos e gostava mesmo era de ler revistas em quadrinhos. Acabei, depois de fuçar muito, tendo a coleção completa de O Pato Donald e passei também a ler as revistas do Super-Homem (hoje, DC Comics - compro até hoje, desde 1959).

Hoje em dia, posso dizer que há muito não sou mais um fanático por futebol. Sem saudosismo, posso garantir, o futebol valeu a pena acompanhar mais até a Copa de 1970. Depois disso, foi mudando muito e para pior, em minha opinião. Ainda assisto os jogos de meu time, o São Paulo, mas a Seleção Brasileira é apenas uma sombra de seu passado já faz muitas décadas. Para isso, muito contribuiu a falta de ligação afetiva dos jogadores com os times em que jogavam. Na Seleção, então, os convocados hoje em dia são praticamente desconhecidos, jogando na Europa e outros continentes. Acabou a magia, para mim.

Enfim, quando escrevi três livros, entre 1997 e 2003, um a biografia de meu avô Sud e os outros dois sobre ferrovias paulistas, minha mãe se espantou com o fato - como poderia eu, péssimo em redação e leitor de histórias em quadrinhos poderia estar escrevendo livros de história?

Terminei o Porto Seguro em 1969, no ano seguinte comecei a estudar Biologia na USP, fiquei apenas seis meses e larguei, para cursar química nos quatro anos seguintes na mesma universidade. Ali conheci, no primeiro ano, a mulher de minha vida - Ana Maria, linda, charmosa, inteligente e carinhosa. Casamo-nos em julho de 1974.

Trabalhei três meses no final de 1974 e início de 1975 na GTE Sylvania, para mudar para a Shell Química entre 1975 e 1980, passando para a DuPont em 1980, onde fiquei até 1995 e, depois, um ano na De Nora, em 1995 e 1996. Foi a época em que descobri parte do mundo: Estados Unidos e pequena parte da Europa.

Minha avó Maria morreu em 1987. Meu pai em 1996. Nesta época, comecei a ficar fanático pela história das ferrovias brasileiras, depois de uma viagem a Porto Ferreira, onde encontrei uma estação que já não funcionava como tal e trilhos enferrujados e não utilizados desde 1989. Quis saber por que isso havia acontecido.

Também em 1996 comecei a trabalhar com minha esposa, na firma que ela fundou para trabalhar com realocação de estrangeiros para empresas multinacionais. Estamos nisto até hoje.

Mamãe ainda vive, lúcida com 91 anos, mas a enorme família dela que conheci hoje se resume a meia dúzia de idosos, nos quais eu ainda não me incluo.

O que quis dizer com isto é que minha vida não daria um livro como o que fiz de meu avô Sud e como poderia fazer, se hoje tivesse tempo, sobre meu bisavô Wilhelm Giesbrecht, que viajou o Brasil inteiro projetando e construindo ferrovias e rodovias.

Meus três filhos me dão orgulho, sendo que a menina Veronica casou-se e hoje vive na Toscana com seu italiano. Ganhei um neto, Guilherme (filho de meu primeiro filho, Alexandre), hoje com seis anos - nome de seu tetravô, que fundou a "dinastia" Giesbrecht em terras brasileiras. Ganharei outro, soube hoje que será um menino, lá por março ou abril. Filipe continua solteiro, mas com uma namorada muito bonita, inteligente, culta e simpática.

Mas foi uma vida boa até agora. Conheci boa parte do Brasil justamente estudando as ferrovias nos últimos 18 anos. Tive meus bons e maus momentos, mas valeu a pena. Espero que continue valendo por mais muitos anos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O BONDE DE SANTA VERIDIANA

A estação de Santa Veridiana em 1904 com o bonde a burro (ao centro). Autor desconhecido

O município de Santa Cruz das Palmeiras, SP, teve bondes um dia? Teve sim. No "fim do mundo", como se diz, a seis quilômetros da sede do município, houve um bonde que, até outro dia, embora sabendo que ele existira, não havia conseguido saber desde quando e até quando.

Esse bonde, do qual existe apenas uma fotografia conhecida, junto à plataforma da estação de Santa Veridiana, era puxado por burros. A estação foi inaugurada como ponta de linha do ramal que levava o nome da estação em fevereiro de 1893.

O bonde seguia até a estação de Laje, da Mogiana, na linha-tronco e que existia desde 1882. O bonde permitia a ligação entre as duas ferrovias para quem quisesse seguir, por exemplo, para Tambaú ou Casa Branca. A distância era pequena - no máximo, um a dois quilômetros.

Minha suposição era que o bonde havia começado a funcionar logo após a abertura da estação de Santa Veridiana e encerrado suas atividades quando se construiu o ramal de Baldeação, em 1913, ligando as duas linhas de uma forma bem mais rápida e até mais curta.

Sobre isto, vejam as páginas da estação de Laje e a de Santa Veridiana.

Na edição de 6 de novembro de 1898 do jornal O Estado de S. Paulo, porém, uma das dúvidas começa a desaparecer. A linha estava pronta para começar a operar naqueles dias - o jornal, commo disse, era de 6 novembro. Porém, o Conselheiro Antonio Prado, dono da fazenda de Santa Veridiana, próxima à estação do mesmo nome e das terras por onde a linha de bonde passava - ele o chamava de "o bonde de Laje", alegou uma série de dificuldades burocráticas para impedir que a linha, que não era de sua propriedade, iniciasse suas operações.

Não convém aqui entrar em detalhes: é quase certo que Antonio Prado, na época (e por muito tempo depois) também presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, dona da linha de Santa Veridiana, estivesse fazendo jogo sujo para impedir que a ligação férrea, mesmo por um reles bonde a burro, pudesse transferir cargas da região de sua fazenda para as linhas da Mogiana em Laje.

A fotografia reproduzida no topo da página mostra o bonde na plataforma da estação;sua data é citada como sendo em 1904. Não consegui mais informações. Possivelmente se conseguiu em pouco tempo (mero "achismo" meu aqui) resolver o problema, tanto que a linha, que chegava em Santa Veridiana junto ao armazém de cargas, passou a chegar à estação de passageiros, como mostra a foto.

Então, até 1904, ela funcionava, mas antes de 1898, não, o que elimina a suposição de que ela teria começadoa operar em 1893.

Quando acabou| Em 1913, com o acordo de Baldeação? Possível. Provável. Mas incerto.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

LEME - UMA CIDADE QUE NASCEU EM VOLTA DE UMA ESTAÇÃO

Foto de 1910 - autor desconhecido
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Quem olha para esta bela fotografia tirada em 1910 certamente não saberá qual ela é. Esse prédio não existe hã muito tempo. Ela existiu de 1891 a 1916. Embora a que a tenha substituído seja também bonita - segue o padrão das estações de Brotas, Torrinha, Sumaré e Araras - essa dos tijolinhos era mais bonita e aparentemente maior. Possivelmente incorporaria o armazém ferroviário.

Feia foi a primeira, de madeira. Não resistiu muito tempo - bom, até que sim, afinal, foram catorze anos (1877 a 1891). Possivelmente pequena - não havia nada ali quando foi erigida, apenas a linha, que, aliás, terminava ali. Não há, aparentemente, nenhum registro dessa estação de madeira, mas dela não se podia esperar grande coisa.
Anos 1950. Autor desconhecido
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Terceira página do jornal A Província de S. Paulo de 23 de outubro de 1877. Uma notícia curta, que dizia apenas: "Precisa-se contractar até 300 trabalhadores para a construcção da estrada de ferro da estação Leme a Pirassununga. Para tratar com Squire Sampson na estação Leme."

Trata-se, portanto, da estação de Leme. O nome? Manuel Leme doou suas terras para a passagem da linha e construção do pátio ferroviário. O ramal de Descalvado, que começou a ser construído em 1875, saía de Cordeiros (hoje Cordeiropolis) e ficou pronto em 1881, quando chegou a Descalvado e ali parou. Deveria seguir até Ribeirão Preto e depois desviar para o oeste desconhecido até a velha cidade matogrossense de Santana do Paranaíba (hoje Paranaíba apenas - não confundir com a cidade que moro hoje, Santana de Parnaíba, e naquela época somente Parnahyba), para depois prossegiur por um caminho possivelmente nunca determinado com exatidão para chegar a Corumbá ou Cuiabá.
A estação ainda com trilhos, mas sem trens desde 1990. Foto minha
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Ficou por Descalvado mesmo. A´segue-se uma longa história de brigas com a Mogiana e Rioclarense, que fez com que a Paulista somente chegasse ao rio Paraná em 1962 (e muito ao sul do objetivo inicial) e jamais a Ribeirão Preto. Porém, essas adversidades não impediram a Companhia Paulista de se tornar uma das mais eficientes enpresas ferroviárias do mundo.

Esse trecho, na verdade, foi parte do tronco da Paulista até 1916, quando decidiu-se que ele dobraria em Cordeiropolis, via Rio Claro, para Araraquara e Barretos, depois de ampliações de bitola - a Rioclarense tinha bitola métrica e jamais passou de Araraquara, bem como de Jaú, no sentido oeste. Os detalhes são muitos.

Leme hoje é uma cidade sossegada. calma, com pouco tráfego. Não há, curiosamente, tantas construções antigas - a maioria é mesmo posterior aos anos 1930. Tornou-se município em 1895. Não é tão pequena hoje, com quase 92 mil habitantes.

A estação de 1916 hoje é uma estação rodoviária - na verdade, o terminal de ônibus urbanos da cidade - depois de ter tido diversos usos, inclusive o abandono. Foi desativada por volta de 1990, mas os trens de passageiros foram-no antes, em fevereiro de 1977. Os trilhos foram arrancados em dezembro de 1997. Mais sobre a estação de Leme pode ser visto aqui.




terça-feira, 11 de novembro de 2014

FAMÍLIA VENDE TUDO... EM 1892

A casa mais à direita fica no Largo Coração de Jesus, esquina com a al. Barão de Piracicaba. Está em frente à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na praça que açi existe. Poderia ter sido esta a leiloada? (Foto do autor - 2011)
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O jornal O Estado de S. Paulo publicou na sua edição de 8 de maio de 1892 um leilão, a ser realizado pelo leiloeiro Alexandre Prates, da dois dias depois, conforme o anúncio que começa com "Conforme a amisade e confiança de um distincto cavalheiro que se retirou para os Estados-Unidos, venderá em leilão (...)"

E segue a reportagem abaixo, reproduzida diretamente da edição digital do jornal.



É uma extraordinária descrição de uma casa de família rica, com todos os seus móveis e apetrechos internos (hoje se diz "venda de porteira fechada"). Não era portanto, a forma de se fazer o hoje tradicional "família vende tudo", mas lembra bastante,

Note-se que, como era comum naquela época, ninguém se importa com os banheiros, que, normalmente, ficavam separados da casa, em pequenas construções nos quintais traseiros. Aliás, as casa em frente ao (Liceu) Coração de Jesus são hoje em dia casas belíssimas, em não tão bom estado por fora (por dentro, não sei), ainda do século XIX. Seria uma destas casas a que foi objeto de leilão? Não adianta conferir a numeração, pois eram totalmente diferentes. Além disto, a casa tinha o endereço da rua Barão de Piracicaba, que passa ao lado do Liceu. Seria uma delas de esquina com a praça que fica em frente ou seria outra casa nessa rua, que, dita "em frente" seria realmente "ao lado" do Liceu, construção que ocupa até hoje um quarteirão inteiro?

sábado, 8 de novembro de 2014

REQUIÉM PARA A ESTAÇÃO DE RIO CLARO, SP

Foto Miguel Saad
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Já postei algumas vezes sobre Rio Claro neste blog, que já tem mais de cinco anos. Uma das últimas mostrava os carros do antigo VLT de Campinas abandonado (em 2012) num depóSIto usado pelo DNIT ao lado das oficinas da ex-CP, hoje usadas pela ALL.

Mas as más notícias continuam chegando. As fotos - nem foram muitas, três, apenas - enviadas há alguns dias por um colega ferreofã, Miguel Saad, mostram uma locomotiva C-30-7 da ALL trazendo trilhos para a reconstrução da antiga linha 1 da estação de Rio Claro, numa tarde recente. Duas barras de 350 metros chegaram nesse dia, com acompanhamento da imprensa e da Guarda Civil Municipal. Esta foto particularmente não está aqui.

A ABPF da seção de Rio Claro está tentando recuperar algumas linhas e prédios próximos à estação, hoje inútil mas razoavelmente conservada. Apesar disso, boa parte do pátio já se foi. A linha que cruzava a cidade no que no início do século XX era o limite da zona urbana da cidade hoje foi retirada entre essa velha estação e o bairro do Batovi. Em 1976 uma nova variante passou a correr por fora da cidade, pel sua região leste. A linha velha ficou servindo como ligação somente entre a linha nova, na região de Santa Gertrudes, às oficinas.
Foto Miguel Saad
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Ou seja: um trem para Rio Claro, hoje, como existiu de 1876 até 1998, teria de ter uma estação nova, fora da cidade. Até existe a Rio Claro-nova, no bairro da Guanabara, ao lado da rodovia Washington Luiz. Mas é hoje apenas um pátio para cruzamento de trens e estocagem de vagões, numa região perigosa.

Foto Miguel Saad
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O que dói são as fotos desses edifícios, no atual centro da cidade, em meio ao matagal. Basta ver as fotografias aqui. Lembram-se do artigo de anteontem neste blog? Pois é.