sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O RIO DE JANEIRO DE 1927

O Rio de Janeiro antigo. Foto sem data. Autor desconhecido.

Antes de transcrever esta carta, escrita por meu avô Sud à minha avó Maria em fevereiro de 1927, alguns esclarecimentos: O português é o da época (reparem a falta de acentos - era muito mais fácil escrever sem eles); Ele passou os seis primeiros meses de 1927 no Rio de Janeiro para organizar o censo escolar da capital federal; teve uma oferta para ser transferido para lá, que não aceitou, ao fim de sua estada, em junho; Aecio e Astréa são seus filhos (Astréa é minha mãe, hoje com 90 anos). Segue a carta:

Maria

Fui domingo visitar o Horto Florestal, cujo director é o Francisco Iglesias, um conterraneo e amigo velho. Fiquei lá toda a tarde. Almoçamos e jantamos na casa de meu amigo e só à noite é que viemos dar uma volta pela cidade.

O Horto Florestal é um sitio maravilhoso. Alias, em materia de maravilhas o Rio não tem competidor em parte alguma do mundo. Aqui é um assombro de paisagem, que nos deixa boquiabertos e encantados a cada instante. Dizem as chronicas que o Horto era a estação de verão de D. Leopoldina, a infeliz rainha brasileira. Como gostava de historia natural, nenhum lugar se prestaria mais a esse estudo do que nesse amphitheatro natural que se formou num reconcavo da serra.

Hontem, continuando minha inspecção censitaria, dei a volta de Santa Thereza, num caminho que fica mais ou menos paralelo á estrada de ferro que leva ao Corcovado. Eu já perdi o habito das exclamações ruidosas de prazer e de admiração, mas tenho aqui de abandonar o meu ar de sbriedade e fazer como os outros.

Hoje vou dar a volta da Tijuca (a volta pequena, porque a grande, que vae terminar em Jacarépaguá eu já fiz).

Com todas essas bellezas, o Rio é a certos aspectos uma cidade intragavel. Tem zonas immundas e sujas. Perto da cidade, ma Ponta do Caju, tem duas praias infectas. E uma dellas se chama por cumulo de ironia a Praia do Retiro Saudoso. Os suburbios do Rio estão abbandonados ha annos. Não têm melhoramento algum, nem siquer o simples calçamento. Seguramente ha uns tres bons quatriennios que nada se faz por aquelles lados, onde mora a verdadeira população operosa da cidade. Mas os prefeitos só cuidavam do lado onde residem os vagabundos, que, por isso, não têm que fazer, sobra tempo que farta para fazer reclamações.

Ainda continuo a pensar, a proposito de nossa mudança para cá, aquillo mesmo que te disse na ultima carta. Ou elles me pagam o minimo de tres contos de reis ou eu não fico. O que é bonito deve ser para todos. Trabalhar emquanto os outros gozam... ah não. Trabalhar por trabalhar fico em São Paulo onde ninguem estranha que a gente se mate.

Por hoje chega. Abraços ao pessoal, D. Constancia, seu Daniel, beijos ao Aecio e á Astrea e aos pequenos dos cunhados e abraços do teu

Sud

3 comentários:

  1. Além de familiar, uma missiva histórica.

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  2. No geral as coisas não mudaram muito. A cidade continua linda e moderna, os recursos vão para as áreas nobres da cidade, e as favelas, o subúrbio e a baixada fluminense, onde mora a força de trabalho continuam abandonados...

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    1. Tambem achei isso, Gilson. Foi um dos motivos que me levaram a publicar a carta.

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